“ILGA Portugal não tem presentemente qualquer espécie de legitimidade para falar em nome da comunidade trans”. Esta é uma das várias acusações expressas num comunicado conjunto emitido pela ONG Acção Pela Identidade – API e pelo Grupo Transexual Portugal (GTP), que defendem os direitos das pessoas trans e intersexo.
Na origem do comunicado estão “as atitudes pró-patologizantes” da associação ILGA Portugal nos últimos anos e as recentes declarações de Catarina Marcelino, Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade (SECI).
No texto do comunicado, que serve também de base para uma petição online lançada na passada sexta-feira e já assinada por 88 pessoas até ao momento, podem ler-se várias exigências efectuadas publicamente à associação ILGA Portugal e ao Governo Português.
A API e o GTP recuam a 2004 para relembrar que na revisão constitucional de 2004, a associação ILGA Portugal “cedeu às pressões externas e “descartou” a reivindicação pela inclusão da identidade de género no Artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (o “Princípio da Igualdade”), optando apenas pela inclusão da orientação sexual” e “nunca se retratou publicamente nem pediu desculpas à comunidade trans”.
Seguidamente, API e GTP recordam que, no dia em que se assinalou os 10 anos desde a morte de Gisberta Salce Júnior, a associação ILGA Portugal pediu a revisão da chamada Lei de Identidade de Género (07/2011), lei que reconhece a identidade das pessoas transexuais a par de cuidados de saúde mais adequados e competentes, através do Serviço Nacional de Saúde. Catarina Marcelino, comentou dizendo que acedeu ao pedido e já estaria a trabalhar com “organizações não-governamentais LGBTI para alterar o regime de identidade de género” nesse sentido.
Ora nem a API, nem o GTP reconhecem a existência destes contactos por parte da SECI e reclamam que quando a ILGA Portugal menciona “diagnósticos clínicos”, “sofrimento clinicamente relevante” e “incongruência entre a identidade e o sexo atribuído ao nascimento” tal significa colocar-se do lado da Associação Americana de Psiquiatria mantendo as mesmas “categorias de diagnóstico estigmatizantes” […] limitando-se a mudar-lhes os nomes de “perturbação de identidade de género” para “disforia de género”, e de “travestismo fetichista” para “perturbação travesti”.
As ONG mostraram-se ainda desconfortáveis pelo facto da ILGA Portugal ter como porta-voz um psicólogo “que tem demonstrado interesses carreiristas na abordagem aos direitos trans, colocando-se numa posição híbrida entre defensor da classe profissional a que pertence e defensor das pessoas trans, pese embora não estabeleça contacto nem ligações com as próprias pessoas e ativistas trans e suas organizações, o que se estranha querendo falar em nome das mesmas”. “Assinalamos que a ILGA Portugal tem feito ouvidos moucos às vozes trans que se manifestam contra estas posições [… e que] são inteiramente contrárias aos princípios dos Direitos Humanos, e aos avanços que o activismo trans tem conseguindo alcançar nos últimos anos.”
API e GT desaprovam igualmente a intervenção da ILGA com base “unicamente em estudos académicos e teses construídas contra os discursos de pessoas trans” e “sem qualquer esforço ou tentativa de articulação com as vozes trans existentes, recusando-se a ouvi-las” e “desprezar sistematicamente o contributo do GRIT (Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade), composto por pessoas trans” e fazem saber que as pessoas trans em Portugal “têm vozes próprias, e os seus próprios representantes e não aceitarão mais serem meros observadores passivos ou cativos de instituições que à margem das mesmas continuam a roubar espaço público e político deteriorando o princípio mais básico que é o direito à identidade, deixando para terceiros a reivindicação dos seus interesses ou a representação das suas vozes”.
O comunicado conjunto remata fazendo saber “aos órgãos políticos, governamentais e de comunicação social, que devem fazer cumprir com as recomendações internacionais […], nacionais e cessarem de uma vez por todas com o insistente descrédito à população trans, que exigem falar e representar-se na primeira pessoa”.
Entre as assinaturas da petição encontram-se as de Júlia Pereira, ex-candidata a deputada pelo Bloco de Esquerda e dirigente da Acção pela Identidade bem como de Lara Crespo e Eduarda Santos, fundadoras do Grupo Transexual Portugal.
Até ao momento não existem reacções conhecidas publicamente sobre esta matéria por parte da ILGA Portugal ou da Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade.
Luís Veríssimo
Paulo Monteiro
15 Comentários
Anónimo
Algumas correções e comentários:
O grupo transexual portugal não é organização nem ong, trata-se apenas de um grupo informal constituído por eduarda santos e lara crespo.
A api, essa sim é associação, mas não é claro quem faz parte da direção ou órgãos sociais.
As mesmas críticas que fazem à ilga podem ser-lhes aplicadas. Tanto o grupo transexual portugal como a júlia pereira eram contra a despatologização até há pouco tempo. Enquanto era secretária da direção da ilga, júlia pereira era contra a despatologização. A api tem colocado pessoas que não são transexuais, logo não “patologizadas”, a falar em nome de reivindicações e identidades que não são as suas. A alegação de carreirismo quanto ao nuno pinto também pode ser aplicada, e talvez até em maior grau, à júlia pereira e o seu percurso partidário. Aliás, a mudança de posição em relação à despatologização por parte da júlia pereira parece ter acontecido na mesma altura que se tornou líder no bloco de esquerda, o mesmo partido que apoia os panteras rosa, tendo todos – api, gtp, panteras rosa e bloco de esquerda – exactamente as mesmas posiçoes em todas estas questoes.
É triste (e totalitário) que um partido que diz apoiar as pessoas LGBT aceite que se agrida as associações e activistas que não aceitam ficar sob o seu controle, quando as que lhes estão afectas apresentam posições inteiramente diferentes das da população LGBT, e parecem focar-se muito mais em escrever discursos e denúncias K7, do que trabalhar em prol das pessoas.
Eduarda Alice Santos
Correção: o GTP é um grupo formado por várias pessoas trans e apoiantes, e tem tido como porta vozes Eduarda e Lara, o que não implca que seja unicamente formado pelas duas. Logo é uma ong, contra a vontade de, pelo menos um anónimo.
O GTP desde o seu início é pela despatologização das identidades trans.
Anteriormente à formação do GTP e durante um período que terminou quando da aprovação da lei de identidade de género argentina, eu pessoalmente tive reservas em relação à despatologização, não por considerar as identidades trans como patologias, mas por temer consequências práticas, reservas essas que foram desfeitas quando da aprovação da dita lei argentina em 2012. A Lara já anteriormente era pela despatologização. Toda a gente muda de opinião durante a sua vida, a mudança é boa, implica que não se esteja estático.
As identidades trans encontram-se patologizadas, ao contrário do que este comentador (anónimo obviamente e convenientemente) quer fazer crer. Basta que se consulte o DSM na sua última edição e se veja, por exemplo, o que diz sobre o travestismo fetichista.
Em relação ao comunicado, ele foi escrito pela APi e GTP em conjunto, sem qualquer interferência de qualquer partido político, tanto na intenção como na sua elaboração. Lamentamos é que não existam mais partidos além do Bloco, que apoiem as pessoas trans, isso é que seria de referir, não que pelo menos um partido as apoia.
E sim, há que denunciar o que está mal para que mude.
Anónimo
“As identidades trans encontram-se patologizadas, ao contrário do que este comentador (anónimo obviamente e convenientemente) quer fazer crer.”
Bem, não concordo com o comentário d@ outr@ utilizador@ mas defendo o direito de el@ o fazer de forma anónima.
Anónimo
Como é que o dezanove permite um comentário em que se expõe e faz insinuações sobre a identidade de alguém? O comentário deste utilizador que dá pelo nome de Fábio Maricato vai contra tudo o que a causa LGBT representa, nomeadamente respeitar as características biológicas das pessoas, bem como a sua identidade de género. O que as pessoas têm dentro da sua roupa interior não é da sua conta. Do mesmo modo que não é da conta das outras pessoas qual é o tamanho do pénis deste comentador transfóbico. Que pessoa tão mesquinha!
Anónimo
“Bem, não concordo com o comentário d@ outr@ utilizador@ mas defendo o direito de el@ o fazer de forma anónima.”
Obrigado! Não quero ter uma petição contra mim amanhã 🙂
Quanto ao afirmado pela eduarda:
Se não é uma associação nem tem nenhum tipo de registo, não pode ser uma ong, independentemente do que deseja ou pensa. Novamente deixo a correcção ao dezanove.
A eduarda pode dizer que o seu grupo – que é, na essência, um blog e uma página de facebook – tem mil pessoas. É esse o problema dos grupos informais. Nunca se sabe quem são, quantos são, quem decide se alguém pertence ou não, não há planos nem relatórios de actividade, nem se pode apurar responsabilidades. Existem registos públicos de alguém a pronunciar-se pelo gtp a não ser a eduarda ou a lara? Existe algum registo da lara ser contra a posição que agora diz assumir nessa altura? A eduarda parece ter sido contra até lhe terem surgido dificuldades no processo, e lhe terem dito que afinal se calhar não era transexual. É evolução de ideias ou conveniência?
Que sentido faz alguém que era contra o que reivindicam agora, como a eduarda e a júlia pereira, denunciarem alguma associação por também ter tido a mesma posição? É difícil perceber isso.
Por último, se a júlia pereira é dirigente no bloco de esquerda, e se a posição que tem é exactamente a mesma do bloco, acha que é possível argumentar que o bloco nada tem a ver com isto?
Anónimo
Queria também acrescentar que a maioria das pessoas que subscreve a petição não é transexual nem tem “travestismo fetichista” (que não é uma identidade, mas sim uma condição egodistónica, aconselho a eduarda a ler o dsm). Se acham que a ilga não tem autoridade para falar, sugiro que a api e gtp façam a mesma reflexão.
Eduarda Alice Santos
Meu caro anónimo, como queiras, não somos uma ong, somos uma página, um blog, não somos nada, afirma o que queiras.
O mesmo para os restantes disparates.
Só ressalvo que essa não foi a única acusação que se faz à ILGA Portugal e que o problema é manter a posição patologizante apesar das evidências contrárias, ou seja , uma posição que não tem evoluído.
Um obrigada pelos ataques pessoais, nada melhor para nos dar razão, visto serem uma tática comumente usada para desviar atenções quando não se tem argumentação suficiente para rebater posições
Anónimo
“Um obrigada pelos ataques pessoais”
É o típico dos trolls de bancada do dezanove. Atacam qualquer pessoa que se manifeste a favor das pessoas trans, têm um ódio de morte ao BE apesar de não haver razões para isso e são completamente anti-activismo. E apesar de às vezes comentarem em anónimo, quando alguém critica os seus preconceitos em anónimos, aí já querem saber IP’s e identidades (nem quero saber para que fins…). São gays cobardes, machistas, homofóbicos e transfóbicos. Representam o pior que há na comunidade LGBT, que geralmente é muito mais progressista.
Anónimo
Cara eduarda, onde estão os ataques pessoais? Na sua petição não os fez? rebateu o que disse? não? também podia dizer que é estratégia fingir ofensa quando não se tem mais argumentos, mas não quero ir por aí.
“São gays cobardes, machistas, homofóbicos e transfóbicos. Representam o pior que há na comunidade LGBT, que geralmente é muito mais progressista”
Isto sim, é um exemplo de ataque pessoal 😉
Por acaso votei be nas últimas eleições, mas vou reconsiderar. A secção lgbt do bloco parece gostar mais de falar mal do activismo do que fazer alguma coisa propriamente dita. É pena.
Anónimo
“Isto sim, é um exemplo de ataque pessoal”
Ataque pessoal a quem? Não mencionei ninguém em particular, por isso não vejo onde há ataques pessoais. Há sim a constatação de factos sobre diversos comentadores que por aqui abundam.
Anónimo
“A secção lgbt do bloco parece gostar mais de falar mal do activismo do que fazer alguma coisa propriamente dita.”
Ah claro, já me esquecia, críticas no activismo não fazem sentido nenhum. Devem todos dobrar-se perante a ILGA e o dezanove porque sectarismo é coisa da “extrema-esquerda”. E como toda a gente sabe, devemos apoiar incondicionalmente organizações que se dizem progressistas, mesmo que estas sejam completamente a favor do status quo e por vezes se esqueçam que é LGBT e não (L)GGG.
Anónimo
Acho que não está a compreender. as críticas podem ser legítimas, se tiverem um bom fundamento e se quem as fizer tiver autoridade para isso.
Qual é o fundamento? que a ilga já teve uma posição que os peticionadores também já tiveram? que tem gente que não tem a identidade a falar dela? api e gtp também têm.
Qual é autoridade? gostem ou não da ilga, tem muito trabalho feito. e vocês? o que tem para mostrar para além de palavras e petições?
Repare, também, que a ilga não ataca o resto do activismo em público. nem sequer respondeu à vossa petição. vocês atacam em força, que violam direitos humanos e tudo. mas conseguem dizer ao mesmo tempo que são vocês os oprimidos. porque os outros têm todas as responsabilidades, e vocês, nenhumas? basta um comentário anónimo num blog para gritarem censura e transfobia.
se alguém do be estiver a ler, deixo a sugestão: substituam esta gente. o be merece melhor que isto.
Anónimo
Que comentário tão ignorante (e eu não faço parte da API ou do GTP).
“Acho que não está a compreender. as críticas podem ser legítimas, se tiverem um bom fundamento e se quem as fizer tiver autoridade para isso.”
Que argumento de autoridade usado de forma tão explícita.
“Qual é autoridade? gostem ou não da ilga, tem muito trabalho feito. e vocês? o que tem para mostrar para além de palavras e petições?”
Argumento de autoridade à descarada outra vez. Além disso, por a ILGA ter “muito trabalho feito”, não significa que esteja livre de críticas. Ou será que somos tão binárias ao ponto de só podermos ser ou as amiguinhas da ILGA ou as arquinimigas da ILGA?
“Repare, também, que a ilga não ataca o resto do activismo em público. nem sequer respondeu à vossa petição.”
Ah sim, porque a forma ideal de lidar com críticas é entrar em negação e fingir que as mesmas não existem como se se vivesse numa bolha. Isso claramente é bastante saudável para o activismo! E sim, nada de criticar a mãe ILGA em público, é para fazer tudo dentro de quatro paredes para não antagonizar ninguém.
“vocês atacam em força, que violam direitos humanos e tudo. mas conseguem dizer ao mesmo tempo que são vocês os oprimidos”
Aprender a escrever não lhe fazia mal nenhum. É que esta parte não faz qualquer sentido.
“porque os outros têm todas as responsabilidades, e vocês, nenhumas?”
Agradecia-lhe que não fizesse acusações gratuitas a pessoas que ao longo da sua vida passaram por imensas dificuldades que você certamente nunca passou e agradecia que metesse o cisplaining num certo sítio.
“basta um comentário anónimo num blog para gritarem censura e transfobia.”
Pessoas que denunciam transfobia, que horror! Deviam era ficar caladas ao mesmo tempo que são espancadas por heteros transfóbicos e em muitos países ditos civilizados correm o risco de ser presas por usarem a casa de banho correspondente ao seu género. Enfim, cisplaining no seu pior.
“se alguém do be estiver a ler, deixo a sugestão: substituam esta gente. o be merece melhor que isto.”
Tendo em conta todo o trabalho efectuado pelo BE em nome dos direitos LGBT, acho que não deveria tecer críticas ao BE. Afinal, se não podemos tecer críticas à ILGA (organização (L)GGG que defende incondicionalmente o status quo), você não deveria poder tecer críticas ao BE (único partido português que sempre lutou pelos direitos LGBT).
Mais seriamente, o BE sabe muito bem as pessoas que escolhe e nas últimas eleições até duplicou a votação, por isso não me parece que seguir os seus conselhos seja boa ideia. Principalmente porque seguir os seus conselhos aumenta ainda mais a invisibilidade das pessoas trans.
Anónimo
Mas esta gente não tem mais nada que fazer?
A ILGA faz e fez muito pela comunidade trans
Anónimo
És coveiro? A notícia é de há sete anos.