As madrugadas de Al Berto
“Al Berto” (2017), de Vicente Alves do Ó, estreou a 5 de Outubro. Desde o dia da sua estreia o mais recente filme do realizador alentejano não tem sido consensual. Segue-se a crítica do dezanove.
É noite cerrada. Sente-se o cheiro da maresia. Ao longe ouve-se o porto de Sines. Perto de nós duas pessoas conversam, dois marginais, uma mulher e um homem. Falam de si, falam dele. Quem é aquele homem franzino de cara estreita com um cigarro na boca e os olhos semicerrados? Quem é Alberto Raposo Pidwell Tavares por trás do mito de Al Berto? É esse o propósito de Alves do Ó. Será que consegue?
Estamos no Verão de 1975, depois de uns anos em Bruxelas, Alberto regressa a Sines e instala-se no palácio da família, onde ensaia uma vida de comunidade. Encontra João Maria e apaixonam-se. Abre uma livraria na vila. Mas as gentes da terra não estavam preparadas para tanta liberdade. A partir de escritos de João Maria do Ó, o realizador adapta cinematograficamente um certo período da vida do poeta, pintor, editor e animador cultural que ficou para a história portuguesa como Al Berto.
É inegável que Vicente Alves do Ó respira cinema. Mais do que teatro ou escrita, corre cinema nas suas veias. E tem no seu cinema uma linguagem estética e uma visão que é própria do cinema em estado puro e belo. Para o bem e para o mal, Vicente é um homem que é cinema.
Este não é o filme que Al Berto merecia que fosse feito sobre si. É de aplaudir, contudo, a opção de não fazer um verdadeiro biopic sobre o mítico poeta, mas antes serem retratados os anos da génese da criação de Al Berto. O problema é que aborda demasiados temas, desde o romance conflituoso entre Alberto e João Maria do Ó, o impacto que uma “vida de comunidade” suis generis causa na então Vila de Sines, a liberdade no pós 25 de Abril ou a emancipação da mulher. No entanto, não consegue aprofundar nenhum deles, deixando muitas ideias soltas. Este é o maior erro do filme. E aqui Alves do Ó tem responsabilidades acrescidas, não só por ser realizador, mas por ser também o argumentista da obra. Sobretudo num assunto que lhe é tão querido e pessoal – Vicente é meio-irmão de João Maria do Ó.
Uma ressalva extremamente positiva para o elenco principal, destacando-se José Pimentão como João Maria e Raquel Rocha Vieira como Sara. Uma nota menos positiva para Ricardo Teixeira como Al Berto.
Sim, há quem considere “Al Berto” a melhor película de Vicente Alves do Ó, mas não se compara à densidade que “Florbela” (2012) tem. E eis que se chega ao filme de uma geração, ao estilo filhos da madrugada, mas que nunca o chega a ser…
Classificação: 2,5 estrelas em 5
Luís Veríssimo