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Conferência: A luta de pais e mães pela liberdade de orientação sexual e identidade de género

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Este fim-de-semana decorreu em Lisboa a conferência internacional “Ao Teu Lado” que comemorou o 5º aniversário da AMPLOS – Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género. Pela primeira vez Portugal foi palco de uma conferência internacional de pais e mães de LGBT centrada em temas como a educação sexual, a expressão e identidade de género na infância, entre outros.

A abertura aconteceu no dia 10 e contou com uma apresentação das várias associações, incluindo a AMPGYL (Espanha e América Latina), a AGEDO (Itália), a CONTACT (França), a APF, a ILGA e a rede ex aequo (Portugal). Após esta introdução, os CoLeGaS – coro da ILGA Portugal – presenteou a plateia com temas de Kylie Minogue, Queen e Zeca Afonso.

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O momento alto do primeiro dia foi o visionamento do documentário “Due Volte Genitore”, de Claudio Cipelletti. O autor e realizador italiano, presente na conferência, referiu-se ao filme como uma “viagem de Norte a Sul da Itália, tendo como base a família”. O realizador alertou ainda para a invisibilidade do tema, referindo que “é inaceitável que ainda não se tenha dito a verdade sobre algumas realidades. Na televisão fala-se de tanta coisa mas não se fala de uma das coisas mais importantes: a família”. O documentário que retrata a realidade de algumas famílias italianas e testemunhos de pais e filhos emocionou a audiência e alertou para o trabalho que ainda há a fazer junto das famílias.

O segundo dia arrancou com as palavras da psicóloga Eduarda Ferreira, que reconheceu que “associações como a AMPLOS são fundamentais para promover uma outra realidade, mais inclusiva e mais justa. Não só para pessoas LGBT mas para todos e todas”. Seguiram-se vários painéis de debate durante o dia.

O primeiro painel centrou-se sobre o trabalho das associações na criação de apoio individual e grupos de entreajuda. Claudio Cipelletti, também representante da associação francesa AGEDO, referiu a importância de “aproximar a relação entre pais e filhos”, através de reuniões e sessões de aconselhamento. A rede ex aequo, representada pelo actual presidente Gustavo Briz, falou do projecto dos Grupos Locais, revelando que em breve irão abrir novos grupos em Coimbra e Braga. Falou-se também na necessidade de ter associações que consigam oferecer este tipo de ambiente a pessoas com idade superior a 30 anos. Por fim, o psicólogo Henrique Pereira apresentou algumas estatísticas que demonstram que “a maioria das pessoas LGBT não utiliza a família para obter este suporte social e apoio”. O psicólogo lançou ainda algumas provocações sobre aquilo que será o sentimento psicológico de pertença à comunidade LGBT, através da sua simbologia (bandeiras), dos “guetos” LGBT (São Francisco) e da Marcha LGBT.

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O segundo painel debateu a intervenção LGBT no meio escolar. Michael Filhol, representante da associação francesa CONTACT, partilhou os métodos que utilizam para fazer sessões de 2 horas em escolas do 2º e 3º ciclos, centradas em “trazer consciência sobre a discriminação, incluindo a homofobia”. Os voluntários têm para além de uma formação necessária, perfis diversificados para conseguir chegar aos diferentes tipos de participantes. Por isso, os voluntários podem tanto ser LGB como heterossexuais, podem ser pessoas LGBT ou pais de pessoas LGBT e ainda de géneros diferentes. Sónia Lopes, responsável da APF, falou da Educação Sexual em Portugal e demonstrou a sua “preocupação com a situação actual” e a necessidade de “fugir a uma abordagem somente biológica e passar a uma abordagem afectiva e social” de viver a sexualidade. Sónia fez ainda referência ao facto do projecto da APF ser “complementar ao Projecto Educação que a rede ex aequo faz nas escolas, sendo que devemos olhar para as questões LGBT como algo integrado e não à parte”. Pela primeira vez a FAPLX – Federação das Associações de Pais e Encarregados de Educação de Lisboa – esteve presente num evento de questões LGBT. Fez-se representar por Manuel Barata, que apresentou um resumo legal sobre a Educação Sexual em Portugal e deu o testemunho de casos de “pais que não querem que os seus filhos tenham aulas de Educação Sexual”. Manuel referiu que a situação actual do sistema educativo não facilita o empenho dos professores nestas matérias e por isso a própria FAPLX mobiliza pais para falar sobre algumas destas temáticas.

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O terceiro painel foi dos mais emocionantes, tendo como tema a diversidade de expressão de género na infância. O primeiro testemunho foi de uma mãe da AMPLOS, que partilhou com a audiência testemunhos áudio do seu filho de 9 anos que se identifica como “Eu sou o João e gosto de coisas de meninas”. Esta mãe conta a sua luta em garantir que a sociedade está pronta para receber o seu filho que desde sempre usou palavras como “livre e verdade” e “eu tenho direito a ser quem sou”. O que levou esta mãe a chegar até à AMPLOS foi o dia em que o seu filho, aos 4 anos, chegou ao pé de si e disse: “Mãe, estou cansado de ser como sou”. A sua luta agora é garantir que a sua criança tem liberdade para se expressar como quiser, sem ser castrada, em grande parte pelos adultos, professores e auxiliares de educação. Isolda Atayde veio directamente dos EUA para Portugal para partilhar a história da sua filha transexual. “Aos 2 anos disse-me: ‘Mãe, quero ser uma menina’ com lágrimas nos olhos. Aos 4 anos conheceu outras crianças transexuais e disse-me que queria fazer a sua transformação”, partilhou Isolda. Aos 5 anos começou a sua transição social tendo o apoio da escola. De momento vive há 2 anos como menina sem ter feito ainda qualquer intervenção cirúrgica. O painel foi fechado por Zélia Figueiredo, representante da JANO – Associação de Apoio a Pessoas com Disforia de Género  – que alertou para “as diferenças das duas histórias anteriores. Uma de expressão de género e outra de identidade de género”. Zélia confessa que este é um tema ainda “pouco estudado e controverso”, tendo por isso esclarecido os conceitos de liberdade sexual que abarcam: o sexo, a identidade de género, a expressão de género e a orientação sexual.

O dia terminou com um painel especializado em transexualidade e disforia de género onde Ether Nolla, representante da AMPGYL Espanha, introduziu o tema na perspectiva dos pais e mães de pessoas transexuais. De seguida, Júlia Pereira, activista da ILGA Portugal em representação do GRIT, falou da importância de avaliar de que forma as pessoas “trans são acompanhadas e tratadas na área da saúde”. Falou do projecto Saúde na Igualdade, um estudo que pretende medir e avaliar o acesso à saúde. Outra das grandes lutas da transexualidade em Portugal é a luta pela sua despatologização. Sandra Saleiro, conhecida socióloga e investigadora de questões LGBT, falou de diversidade sexual e de como “esta diversidade deve ser acolhida e traduzida a nível legislativo e a nível dos cuidados de saúde”. A socióloga vai ainda mais longe e afirma que “o género – e até mesmo o sexo – não são variáveis dictómicas! Não existe só homem e mulher, nem os dois são opostos”. Para Sandra é óbvio “os direitos de género são direitos humanos”.

Margarida Faria, presidente da AMPLOS e também vice-presidente da associação internacional FDS - Familias por la Diversidad Sexual, fechou a conferência afirmando que “o movimento LGBT é uma oportunidade fantástica de aprendizagem para todos. É um ponto de partida para muitas coisas na nossa vida. A AMPLOS está aqui para mudar as pessoas que chegam até ela e aos poucos para irmos mudando o mundo”.

 

André Faria