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Titica para os jovens: "Libertem-se! Saiam do armário!"

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Depois do furacão Titica ter actuado no Terreiro do Paço o dezanove.pt tem para partilhar contigo a entrevista que faltava. Titica, um ícone LGBT em Angola, e não só, em discurso directo aqui:

 

dezanove: Não tiveste uma juventude fácil. Foste apedrejada, espancada e julgada por outros só por quereres ser quem eras e não te encaixares naquilo que os outros queriam decidir para a tua vida. Respeitando-te e não querendo magoar-te com a nossa pergunta, podemos pedir-te que nos fales um pouco desses momentos de agressão?

Titica: Sim. Foi um momento muito difícil para mim. Eu sentia-me uma pessoa, não um animal. Era muito amada, mas também muito criticada pelas pessoas. E abusada. Atiravam-me pedras quando passava pela rua e gozavam comigo, mas isso só me dava mais força de ser a Titica. Com o tempo e o dom que Deus me deu, graças a Deus, consegui ser a Titica.

Titica Kuduro Transexual Angola gay.JPG

Onde encontraste forças para e apoio para seres a Titica?

Encontrei a força nos meus amigos, sempre fui amada pelos meus amigos. Fui uma miúda muito querida e amada por eles.

 

Como foi a reacção da tua família e amigos?

A reacção da minha família não foi muito boa quando conheceram a minha orientação, mas eu percebi-os porque eles não queriam ter um filho ou uma filha transformada. Depois eu venho de uma religião onde os homens e as mulheres não podem usar brincos e as mulheres não podem usar roupa preta ou vermelha, nem roupa muito curta, só roupa branca. Claro que também não podem usar roupa com decotes. Para a minha família foi muito, muito, muito difícil aceitar isto. Mas graças a Deus consegui impor-me e que me respeitassem como eu sou.

 

A nível profissional: quais foram as reações menos positivas que tiveste? 

As reacções menos positivas foram aquelas em que as pessoas misturam o meu trabalho com a minha sexualidade. É isso que me deixa muito triste. Esquecem o meu lado bom e só falam do meu lado negativo (o que eles acham que é supostamente esse meu lado) e colocam isso à frente como mais importante.

 

E as mais positivas?

Graças a Deus eu sou muito querida pelos meus fãs. Especialmente pelas crianças e pelas pessoas de idade. Desde crianças com 2 a 5 anos até pessoas de 50 a 70 anos gostam muito de mim. Eu sou a Titica graças a eles.

 

Os jovens LGBT de Angola pedem-te muita ajuda? 

Geralmente quando há festas e eventos os jovens pedem que eu vá lá cantar e dar o meu apoio, porque muitos deles me vêem como um espelho.

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Hoje a Titica é conhecida em vários continentes. Durante os espectáculos fazes menção à tua transexualidade ou deixas alguma mensagem especial?

Sim, deixo mensagens para que eles sejam mesmo eles: que não vivam em função dos outros, que se libertem e saiam do armário! Na nossa condição não é um bicho-de-sete-cabeças, é uma orientação sexual e temos de enfrentar a família a conversar e não na briga. Façam-se entender e não se chateiem se alguém da família ficar chateado.

 

Como surgiu o convite para vir actuar ao Arraial Pride em Lisboa? É a primeira festa do Orgulho LGBT em que participas como artista?

O convite surgiu e fiquei muito, muito feliz quando soube que fui uma das convidadas para apresentar a nossa bandeira gay do lado de África. Fiquei muito orgulhosa por ser bem recebida em Portugal.

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Como foi actuar em Lisboa?

Foi muito, muito, muito bom. Fui recebida como se fosse da terra e graças a Deus as músicas foram bem cantadas e bem aceites. Fico feliz, quase não tenho palavras para exprimir o meu sentimento de felicidade.

 

Costumas participar em Marchas do Orgulho LGBT noutros países?  

Em Angola não costuma haver nem marcha LGBT, costuma só haver festas. E noutros países já participei duas vezes na Parada Gay do Brasil.

 

Achas que falta muito para acontecer uma marcha do Orgulho LGBT em Angola?

Não acho que falta muito. Estamos no caminho certo e passo a passo vamos chegar lá.  Estamos quase lá, falta pouco.

 

Na tua opinião como é ser LGBT em Angola? 

É hoje em dia na minha opinião é uma coisa normal. Mas é difícil para nós, porque muitos travestis ou pessoas trans não conseguem um emprego bom. Em Angola só se consegue em lojas de decoração, como vendedoras de roupa, são cantores ou bailarinas. Lá nos conseguimos virar. Mas graças a Deus o nosso país não é contra nem a favor. Nós estamos no nosso cantinho a fazer as nossas acções boas e respeitamos todos, cada um à sua maneira para também sermos respeitados.

 

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Consideras que assumir a orientação sexual ou expressar a verdadeira identidade de género é uma obrigação das figuras públicas?

Acho que não é uma obrigação, porque é uma orientação sexual. A pessoa é que sabe se pode falar ao mundo sobre a sua orientação sexual. Independentemente da pessoa em causa ou da família, uma pessoa não é obrigada, mas para se poder libertar, ser mais feliz ainda e ser verdadeira tem mais é que o fazer.

 

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Recebeste um prémio das mãos do presidente José Eduardo dos Santos, num país em que ser gay pode resultar em punição legal. Tiveste oportunidade de lhe pedir para fazer algo em prol dos Direitos das pessoas LGBT?

Eu não recebi nenhum prémio do José Eduardo dos Santos. Eu pura e simplesmente cantei, fui bailarina e já dancei em locais em que o presidente esteve presente. Fui aplaudida pelo presidente e pela primeira-dama e ganhei o prémio de melhor kuduro, melhor semba do ano, mas não recebi o prémio das mãos do senhor presidente. Graças a Deus ele é uma pessoa excelente, não é mente quadrada, é uma pessoa muito, muito, muito boa. Sempre fomos super bem recebidos e fico muito feliz por saber que a primeira-dama gosta muito de nós. Se estivéssemos noutro país já teríamos recebido ordens de nos matar.

 

Consegues definir o kuduro numa só palavra?

Não consigo definir numa palavra. Kuduro é dança, kuduro é alegria, kuduro é movimento. O kuduro é uma língua entendida por toda a gente. Por mais que uma pessoa não consiga entender o que a letra da canção diz, ou abana a cabeça ou mexe a cintura. O kuduro é a vida para mim.