11 perguntas e reações após o escândalo revelado pela "A Prova dos Factos"
O programa A Prova dos Factos transmitido na passada sexta-feira, na RTP, revelou que Diogo Vieira da Silva, ex-presidente da associação Variações, encontra-se sob investigação do Ministério Público por suspeitas de desvio de dinheiro, abuso de confiança e burla, precisamente poucos dias depois do próprio Diogo Vieira da Silva ter anunciado nas suas redes sociais que seria Comissário Municipal para o Europride Lisboa 2025.
Nomeação essa negada pelas declarações de Carlos Moedas na reportagem, mas confirmada através de documentos oficiais que dão ainda conta junto das mais altas instâncias governativas da urgência em diligenciar tarefas necessárias para o sucesso do maior evento europeu LGBTI+ previsto para daqui a menos de cinco meses na capital e de muito pouco se sabe. Excepto: os desvios e despesas de carácter pessoal alegadamente efectuados de forma irregular pelo ex-Presidente da Variações, as desistências formais por parte da ILGA Portugal e da rede ex aequo em fazer parte do evento, uma auto-nomeação relâmpago que não se verifica e um enorme escândalo decorrente, não só da reportagem, mas de todo o historial que envolve o activista Diogo Vieira da Silva - desde a sua demissão da Variações, ao caso Porto Pride, ao falhado LGBT Music Festival, passando pelas acusações de pinkwashing de que foi alvo por tentar instrumentalizar a comunidade LGBTI.
A menos de cinco meses, um programa com artistas convidados e o envolvimento do movimento LGBTI+ nacional seria o mínimo esperado para o que se anunciava como o maior evento LGBTI+ europeu. Não é o caso.
Estranhamente quase uma semana depois da transmissão da reportagem há cada vez mais perguntas sem resposta e muitos silêncios difíceis de compreender dada a dimensão do escândalo. A saber:
1. Diogo Vieira da Silva, principal visado da reportagem da RTP, não se pronunciou publicamente.
No entanto, retirou as referências ao cargo de Comissário Municipal para o Europride de que tinha nas suas redes sociais.
2. A Direcção da Associação Variações não reagiu publicamente:
Nem ao facto do seu ex-Presidente ser visado na reportagem, nem ao facto de não estar incólume no rol de despesas questionáveis depois de receber quase 350 mil euros com vista a promover Portugal como um destino LGBTI+ friendly, nem sequer dar uma palavra sobre o futuro do Europride Lisboa 2025.
3. A EPOA - European Pride Organisers Association - não se pronuncia sobre o escândalo dado a conhecer pela RTP e o futuro Europride Lisboa 2025:
A organização responsável pela atribuição da organização do Europride Lisboa 2025 à associação Variações e à, entretanto organização cessante, ILGA Portugal não respondeu sobre às perguntas colocadas pelo dezanove.pt.
4. A Câmara Municipal de Lisboa não tem uma única referência ao Europride Lisboa 2025 no seu site e não teceu qualquer comentário à reportagem da RTP nas suas redes sociais - nem de forma a distanciar-se do caso e/ou a garantir a continuidade do evento.
5. A primeira reacção surgiu ainda na noite da reportagem: A rede ex aequo desliga-se do Europride Lisboa 2025
A associação juvenil que inicialmente apoiou a candidatura portuguesa junto da EPOA, a par da associação de Mães e Pais AMPLOS, foi a primeira a reagir oficializando o fim da parceria com o evento Europride Lisboa 2025.
6. O Bloco de Esquerda Lisboa revelou que já tinha questionado o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa sobre a nomeação de Diogo Vieira da Silva.
- 1. Qual foi o processo de selecção que levou à nomeação de Diogo Vieira da Silva como comissário do EuroPride 2025? Foram consultadas associações LGBTI, activistas e pessoas queer com historial reconhecido no movimento?
- 2. Como avalia a Câmara Municipal de Lisboa a saída da ILGA Portugal da organização do EuroPride? Que medidas estão a ser tomadas para garantir a participação activa de associações representativas da comunidade LGBTI no evento?
- 3. Que mecanismos estão a ser implementados para assegurar transparência e prestação de contas na organização deste evento?
7. Fica ainda por responder o que se vai passar agora com o Porto Pride, marca detida actualmente por Diogo Vieira da Silva após a "apropriação hostil" da mesma ao histórico activista de defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ João Paulo, que organizou o evento entre 2001 e 2012. Recorde-se que em 2024, a associação Variações comunicou que accionaria os meios legais contra o seu ex-Presidente, Diogo Vieira da Silva, caso o mesmo levasse a cabo o Porto Pride, evento que a associação Variações reclamava para si. O facto é que o Porto Pride 2024 se realizou, teve bastante afluência, apoios de várias marcas e até da Câmara Municipal do Porto - tendo sido organizado precisamente pela equipa de Diogo Vieira da Silva. Mais: este ano o evento está anunciado para 12 a 14 de Setembro. Resta saber o impacto que a reportagem da RTP e a sentença do Ministério Público terá também na concretização deste evento.
8. Marcha do Orgulho LGBTI+ Porto versus Porto Pride: Após a reportagem a organização da Marcha do Orgulho LGBTI+ do Porto veio mais uma vez comunicar nas suas redes sociais que a Marcha do Orgulho do Porto e o Porto Pride são eventos distintos e separados de forma a esclarecer a comunidade.
9. Sérgio Vitorino, histórico activista pela defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ do colectivo Panteras Rosa, declarou:
"Só surpreende quem andou com o moço ao colo durante década e meia, incluindo alguns autarcas e outros interesses (já lá iremos). Não foi por falta de avisos sonoros, ao longo de anos, nem por falta de denúncias públicas feitas por ativistas e coletivos lgbti+ contra as sucessivas manigâncias desta pessoa e de quem a rodeou. O ativismo queer é uma luta emancipatória contra a opressão e por direitos humanos elementares pela qual muitas pessoas e gerações se sacrificaram, tantas vezes literalmente. Não é lugar para satisfazer egos, garantir a vidinha, encher os bolsos ou fazer carreiras. Não está disponível para tentativas destrutivas de apropriação comercial, como as que Diogo Vieira da Silva protagonizou, algumas vezes com sucesso, e da qual - já agora - a lógica do evento Europride faz parte, com ou sem Diogo. O oportunismo predatório nunca foi ativismo. Ativistas lgbti+ não justificam genocídios. Esta pessoa - que há quase duas décadas prejudica sistemática e gravemente o movimento lgbti+ (já lá iremos também) -, não é confundível com qualquer espécie de ativismo ou ativistas. Há muitos anos. Bate tudo certo. E mesmo sem as suspeitas de responsabilidade penal divulgadas por esta reportagem, já era suficientemente mau."
10. Que repercussões deste caso para o activismo e a comunidade LGBTI+ nacional?
Podes deixar a tua opinião nos comentários.
11. Será que ainda vai haver Europride Lisboa de 14 a 22 de Junho? Será cancelado? Será adiado? Quem marcará presença?
Analisando o perfil do Europride Lisboa 2025 verifica-se que não existem actualizações desde 10 de Novembro de 2024. Desde então já três das associações a cargo do evento se afastaram, mas continuam ali referidas.
Certo é que a associação Variações encontra-se cada vez mais isolada na organização deste evento e que só um trabalho extraordinário, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, fará do Europride Lisboa 2025 um sucesso capaz de esquecer o escândalo que veio a público a 31 de Janeiro.
Não menos importante: A todo o tempo importa salientar que até deliberação em contrário efectuada pela Justiça qualquer pessoa ou entidade visada são inocentes.