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Nem na mata se encontram histórias assim

Da apropriação "hostil" da marca Porto Pride à polémica com a Marcha do Orgulho. Afinal o que se passa no Porto?

porto pride polémica

O evento Porto Pride, que hoje tem início, e a Marcha do Orgulho do Porto, que se realiza amanhã, Sábado à tarde, são duas iniciativas perfeitamente distintas, e as diferenças entre ambas evidenciam-se na forma como a autarquia da cidade se tem relacionado com as respectivas organizações. Para ajudar a dissipar dúvidas e confusões, o dezanove.pt conta-te aqui toda a história.

 

Recuemos ao ano de 2001, com a realização do primeiro evento com o nome “Porto Pride”, organizado pelo activista João Paulo, dono do site PortugalGay.pt, e pelos principais bares LGBT da cidade. O evento era uma “festa pride”, como refere o comunicado entretanto divulgado, que tinha lugar numa sala de espectáculos – o Teatro Sá da Bandeira – com entrada paga e onde eram angariados donativos para causas solidárias, como a Liga de Amigos do Hospital Joaquim Urbano ou a Associação SOL.

Em 2006, no seguimento do assassinato de Gisberta Salce, é convocada a primeira Marcha do Orgulho LGBT do Porto (MOP), uma manifestação de luta contra a LGBTfobia e reivindicativa de direitos políticos para as pessoas queer, em cuja organização participavam vários colectivos e activistas. Desde então, o número de participantes tem vindo a aumentar, tendo ultrapassado no ano passado as 10 mil pessoas, novos colectivos e associações têm integrado a comissão organizadora e partidos políticos têm-se juntado à manifestação.

Em 2011 a já extinta associação CASA acusava o então Porto Pride de promiscuidade com a MOP. No ano anterior a mesma associação decidira organizar a sua própria festa chamada Love Pride uma semana antes e no mesmo espaço onde decorria o Porto Pride. Três anos mais tarde a então associação CASA decide organizar uma marcha pela igualdade uma semana depois da Marcha do Orgulho do Porto desse ano.

De referir que até 2012, era habitual o Porto Pride e a MOP serem agendados para o mesmo dia, apesar de preparados por equipas diferentes (ainda que alguns membros estivessem presentes em ambas), preservando as suas identidades e objectivos: a manifestação política acontecia à tarde, a festa à noite. Por decisão da organização, o Porto Pride teria nesse ano a sua última edição, como se explica no comunicado.

A MOP de 2018 ficou marcada pelos protestos contra o autocarro com que a Variações, Associação de Comércio e Turismo LGBTI de Portugal, se fez apresentar na marcha, apesar de não ter tido para isso autorização da comissão organizadora. Já nessa altura, a associação tinha como seu director executivo o activista Diogo Vieira da Silva. É também nesse ano que dá entrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial um novo pedido de registo da marca “Porto Pride” pelo mesmo Diogo Vieira da Silva. Note-se que a marca havia sido registada em 2007 por João Paulo, o organizador original, mas por razões indeterminadas abriu-se a oportunidade para o registo mudar de titular.

Em Julho de 2019 realiza-se o primeiro Arraial Mais Orgulhoso do Porto, no final da MOP desse ano, no mesmo local – o Largo Amor de Perdição – onde  se repetiria em 2022 (durante a pandemia apenas se realizou a marcha em 2021). Nesse espaço e com a permissão da autarquia, a organização da MOP pôde dispor do palco e das infra-estruturas de som que já estavam montadas para as festas de S. João. O arraial tornou-se o momento em que, dispondo de condições técnicas adequadas à crescente multidão, se liam os manifestos, se proferiam discursos e, no final, se abria o lugar à celebração com artistas queer.

Dois meses depois, em Setembro desse ano, a Variações imprime a marca Porto Pride a um novo evento que tem lugar na baixa da cidade e que conta já com o apoio da Câmara Municipal liderada por Rui Moreira. Passada a pandemia, no início de 2022 o director executivo da Variações anunciava que nesse verão se realizaria na cidade o primeiro festival internacional de música LGBTI, contando igualmente com o apoio da autarquia. Ao longo de vários meses de indefinição e silêncio, e após avançadas várias alterações ao modelo inicial do festival, o evento acabou por ser cancelado pela organização causando vários prejuízos a quem tinha adquirido e bloqueado bilhetes, alojamento e passagens aéreas para o que prometia ser o primeiro festival a celebrar o amor e a música e erguer as cores do arco-íris com um cartaz de peso. Nada isso aconteceu.

Ainda nesse ano, e novamente em 2023, o executivo de Rui Moreira recusou a proposta do Bloco de Esquerda de hastear a bandeira arco-íris nos Paços do Concelho, por ocasião do IDAHOT. Em alternativa, optou por fazê-lo num mastro colocado para esse efeito em frente ao edifício da câmara, numa iniciativa que contou com o apoio e presença da Porto Pride / Variações. Já este ano, foi o próprio Diogo Vieira da Silva que anunciou a cerimónia nos mesmo moldes do ano anterior: «por um lado, temos uma autarquia a afirmar que questões protocolares não permitem hastear a bandeira, e, por outro, temos o BE que faz uma proposta para hastear a bandeira, sabendo que a mesma não vai ser aprovada». De facto, Rui Moreira tinha novamente rejeitado a proposta do Bloco de Esquerda, acusando a força política de tentar «partidarizar uma causa da sociedade civil». 

Nesse dia, tal como no ano anterior, o Bloco de Esquerda recusou estar presente no hastear do mastro provisório escolhendo em vez fazer-se representar nas freguesias onde a bandeira se içou na frontaria e nos mastros oficiais, em Campanhã (PS) e no Bonfim. Nesta última – onde o presidente é um eleito pelo movimento político de Rui Moreira – as propostas dos partidos de esquerda para as questões LGBT têm aparentemente tido melhor aceitação. É também nesta freguesia que em 2021 foi eleito pelo BE Filipe Gaspar, membro da comissão organizadora da MOP e o representante mais vocal contra a decisão da autarquia de afastar o Arraial Mais Orgulhoso do Porto, organizado pela MOP, do centro da cidade. Nem as quase 6 mil assinaturas recolhidas numa petição online fizeram a autarquia mudar de posição. A alternativa seria organizar o arraial no Covelo, um espaço sem condições para o número expectável de participantes.

Entretanto, em várias peças de comunicação e num recente artigo no jornal Observador, tenta-se estabelecer uma linhagem directa entre o evento que a Variações vem organizando desde 2019 sob a designação Porto Pride e aqueles promovidos por João Paulo e os bares do Porto entre 2001 e 2012, mas que «nada têm em comum além da marca registada do nome do evento», segundo o comunicado do activista. Este acrescenta ainda que «de nenhuma forma a organização anterior teve algum dixit no evento actual, e muito menos a organização actual teve alguma contribuição positiva no evento anterior, antes pelo contrário!».  Aliás João Paulo considera que o que aconteceu foi "simplesmente uma tomada hostil da marca “Porto Pride” por Diogo Vieira da Silva".

Para além disso parece também haver uma tentativa de confundir o evento Porto Pride com a MOP/Arraial, patente por exemplo numa recente publicação nas redes sociais da EPOA - EuroPride, a associação de organizadores dos prides europeus, que informa os seguidores que, apesar dos muitos esforços, «o Porto Pride não conseguiu receber apoio financeiro do presidente da câmara, de direita, nem de negócios locais. O evento deste fim-de-semana poderá estar em dúvida» (tradução nossa). A verdade é que a organização do Porto Pride não rejeitou a declaração, agradecendo aliás a solidariedade – e o referido “link in our bio for support” redirecciona para uma página de recolha de fundos para apoiar o evento que se realiza no Parque da Pasteleira. 

EPOA Europride

 

Pedro Leitão