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O Direito ao Sexo – Feminismo no Século XXI

Lançado em Portugal em 2022 pela editora Temas e Debates, o livro O Direito ao Sexo – Feminismo no Século XXI, de Amia Srinivasan, oferece uma reflexão filosófica sobre a política e a ética do sexo.
“O sexo, que consideramos um dos actos mais privados, é, na realidade, uma questão pública. Os papéis que desempenhamos, as emoções que sentimos, quem dá, quem recebe, quem exige, quem serve, quem deseja, quem é desejado, quem beneficia, quem sofre: as regras que regem tudo isso foram estabelecidas muito antes de termos chegado ao mundo.”

 

Dividido em seis ensaios, o primeiro intitulado A Conspiração contra os Homens, aborda a descrença nas denúncias de violação feitas por mulheres, especialmente quando estas são negras ou de classes sociais mais baixas. A autora salienta que a crescente pressão social para confiar na palavra das mulheres desafia a posição privilegiada dos homens brancos e ricos, que temem perder os privilégios que historicamente os protegem. Este texto reflecte também sobre a complexidade e os limites do consentimento e no movimento #MeToo, onde observa que muitos dos homens acusados não negam os abusos, mas sim a necessidade de serem punidos por actos que anteriormente eram socialmente aceites.

No segundo texto, Falando com os Meus Alunos sobre Pornografia, a autora partilha uma reflexão feita com os seus alunos sobre o impacto da pornografia no desejo sexual e na sociedade. Ao mencionar as feministas da segunda vaga, que criticam a erotização da subordinação feminina presente na pornografia, os seus alunos concordam com essas críticas. O consumo de conteúdos violentos e submissivos estabelece a pornografia como um modelo normativo de comportamento sexual, perpetuando a subordinação das mulheres.

Nos dois ensaios centrais do livro, O Direito ao Sexo e Coda: A Política do Desejo, Srinivasan leva-nos a reflectir sobre os mecanismos que moldam os nossos próprios desejos. Muitos corpos não são culturalmente considerados desejáveis, como pessoas gordas, homens baixos ou mulheres menos femininas, o que frequentemente as empurra para uma vida mais solitária a nível afectivo e sexual. A autora menciona o movimento “incel”, visto como uma revolta contra o baixo estatuto sexual desses homens, que, como celibatários involuntários, reivindicam de forma violenta o seu “direito ao sexo”. Srinivasan argumenta que ninguém tem o direito de ser desejado e ninguém é obrigado a desejar outra pessoa, mas que o facto de uns serem desejados e outros não é também uma questão política. Em vez de exigirem esse “direito ao sexo”, os incels deveriam, segundo a autora, lutar pela desconstrução da masculinidade hegemónica, que condiciona tanto as suas frustrações como os seus desejos. A desconstrução dos mecanismos que moldam o desejo, pode levar-nos a todos a uma maior amplitude e liberdade relacional.

No ensaio A Propósito de não Dormir com os Seus Alunos, Srinivasan reflecte sobre as relações sexuais consensuais entre professores e alunos, destacando a desigualdade de poder presente. Ela argumenta que essas relações podem prejudicar o ensino e perpetuar a desigualdade entre homens e mulheres. Mesmo com consentimento, os professores têm a responsabilidade ética de evitar tais envolvimentos, canalizando a energia entre professor e aluno para o processo educativo.

Por fim, em Sexo, Carceralismo, Capitalismo, a autora aborda a complexa questão da prostituição. Se, por um lado, a descriminalização perpetua o patriarcado e a mercantilização do sexo, por outro, a criminalização fragiliza as trabalhadoras. Neste último ensaio, Srinivasan critica o sistema carcerário, argumentando que este não resolve questões estruturais profundas, como a pobreza, a dominação racial ou o sistema de castas, que muitas vezes conduzem as pessoas à prostituição. Para enfrentar esses problemas, a autora defende uma abordagem focada no apoio financeiro, no acesso a cuidados de saúde, educação e habitação.

Ao longo destes seis textos, a autora explora uma ampla gama de temas relacionados com o sexo, revelando como este é profundamente influenciado pela patriarquia. O livro apresenta uma sólida base teórica feminista, com múltiplas referências a pensadoras, algumas já aqui mencionadas, como Audre Lorde, Angela Davis e Adrienne Rich. Além disso, ao oferecer uma análise crítica de diferentes perspectivas dentro do movimento feminista, a obra enriquece o debate atual com uma grande diversidade de pontos de vista, tornando-se um recurso valioso para reflectirmos sobre as nossas próprias posições em relação às questões abordadas.

 

Daniela Alves Ferreira