Adrienne Rich e a existência lésbica
Há algum tempo, assumi uma paixão por Monique Wittig. Felizmente, já me libertei da moral monogâmica, pelo que posso hoje assumir, sem peso na consciência, uma paixão paralela por Adrienne Rich. Nascida em 16 de Maio de 1929 nos Estados Unidos, filha de uma mãe pianista e de um pai médico de origem judia que a incentivou a estudar e escrever em nome próprio. Rich foi escritora, poetisa, professora e activista feminista lésbica.
À semelhança de Wittig, Rich insere-se numa corrente do feminismo chamada feminismo lésbico. Encara a heterossexualidade como uma instituição política que, tal como a maternidade em contexto patriarcal, têm o propósito de controlar e subordinar as mulheres. Considera que a família, a religião e o Estado alimentam a ideia da naturalização e inevitabilidade da heterossexualidade, para assegurar o direito masculino de acesso às mulheres. Essa naturalização leva muitas mulheres a resignarem-se a relações insatisfatórias com parceiros masculinos. Rich chegou a admitir que se casou em 1953 com Alfred Haskell Conrad, um professor de economia de Harvard, porque não conhecia uma forma melhor de se afastar da sua família primária e aproximar-se da ideia, construída socialmente, do que é ser uma mulher plena. A sua experiência como mulher e mãe, que afirma ter tido um efeito de alienação e anulação do seu eu, potenciou a sua consciência feminista e radicalização. Em 1970, acabou por se divorciar do marido, que se suicidaria pouco tempo depois. Em 1976, uniu-se à companheira Michelle Cliff, com quem viveria até à data da sua morte (27 de Março de 2012).
Já assumidamente lésbica, escreveu em 1980: "Heterossexualidade Compulsória e a Existência Lésbica", onde propõe que as feministas heterossexuais examinem a heterossexualidade como uma instituição central na manutenção do sistema patriarcal. Crítica a quase ausência da existência lésbica na literatura académica feminista, cuja invisibilização considera ser não só antilésbica, mas também antifeminista. Isto porque, ao invisibilizar as alternativas à heterossexualidade, as feministas estão a trabalhar contra a libertação e o empoderamento das mulheres como grupo. Na sua perspectiva, a libertação das mulheres exige uma rejeição activa das normas impostas pela sociedade, incluindo uma redefinição dos padrões de relacionamento e afecto. A existência lésbica surge, para Rich, no movimento feminista como uma alternativa e uma forma de resistência ao patriarcado.
Além da intersecção entre a orientação sexual e o feminismo, Rich também refere no seu trabalho a questão da raça e da classe social como factores que não devem ser ignorados na luta feminista. Para conhecer mais do seu percurso, sugiro a tese de doutoramento de Juraci Leão, "Escrita, corpo e acção: a poética e a política de Adrienne Rich". Toda a vida e obra de Adrienne Rich refletem o seu desejo de desequilibrar e transformar o poder instituído. Do meu ponto de vista, foi uma mulher inspiradora e, por isso, faz inevitavelmente parte do meu leque de paixões.