O Coliseu de Lisboa foi, no dia 16, palco de uma noite especial com a actuação única dos Village People no âmbito da Festa M80, que assinalou os 18 anos da rádio. Houve hinos “disco”, nostalgia e a feliz coincidência com o mês do orgulho e a realização do Europride em Portugal.
A coincidência de datas com o EuroPride, que decorre este mês na capital, emprestou à festa uma camada simbólica inesperada, ainda que o público tenha vindo mais pela nostalgia do que pelo activismo.
Com algumas centenas de pessoas na sala, o ambiente foi caloroso, bem-disposto e animado por clássicos como “YMCA”, “Macho Man” e “In the Navy”.
O grupo norte-americano, conhecido por transformar a música disco dos anos 70 num símbolo de liberdade e resistência, marcou gerações até aos dias de hoje.
Apesar do subtexto queer, os Village People conseguiram algo raro: entrar no mainstream global numa era ainda fustigada pela repressão e censura.
Com personagens hipermasculinas inspiradas em estereótipos – o polícia, o soldado, o cowboy, o índio americano, o operário e o motociclista – e letras cheias de duplo sentido, o grupo infiltrou-se na cultura pop de massas enquanto acenava, com códigos subtis, à comunidade gay.
Esse equilíbrio entre provocação e popularidade fez dos Village People um fenómeno cultural e um símbolo involuntário de resistência, garantindo-lhes um lugar permanente na história da música e na memória afetiva da comunidade LGBTQIA+.
O próprio nome do grupo tem origem num reduto gay de Nova Iorque daquele tempo, o Greenwich Village.
Paradoxalmente, nos últimos anos, a banda tem sido alvo de controvérsia, devido ao alegado apoio ideológico (ainda que implícito) a Donald Trump, ao permitirem o uso repetido das suas músicas em eventos do presidente norte-americano e de eles próprios actuarem nesse contexto.
O frontman Victor Willis e os actuais Village People defendem que a música é neutra, desde que legalmente licenciada.
Antigos membros e parte da comunidade queer entendem que a sua presença nos eventos de Trump contradiz o legado queer da banda, encarando com incongruência que um símbolo queer seja apropriado por uma figura activamente empenhada no retrocesso LGBTQIA+.
Bruno Kalil