Também o filósofo romano Cícero reconhece que há muitas pessoas boas com as quais entramos em contacto nas nossas vidas do dia a dia a quem chamamos “amigos”, sejam eles sócios de negócios, vizinhos ou qualquer tipo de conhecidos. No entanto, Cícero faz uma distinção fundamental entre estas “amizades” comuns e úteis e aqueles raros amigos aos quais nos ligamos num nível muito mais profundo. Estas amizades  são muito raras, pois exigem muito tempo e investimento de nós mesmos. Mas estes são os amigos que mudam totalmente as nossas vidas, assim como nós mudamos a deles. Cícero escreve: “Com excepção da sabedoria, estou inclinado a acreditar que os deuses imortais não deram nada melhor à Humanidade do que a amizade” (§VI, 20)

Conforme sublinha também Montaigne, “o que habitualmente chamamos amigos e amizades não são senão conhecimentos e familiaridades contraídos quer por alguma circunstância fortuita quer por um qualquer interesse, por meio dos quais as nossas almas se mantêm em contacto. Na amizade de que falo, as almas mesclam-se e fundem-se uma na outra em união tão absoluta que elas apagam a sutura que as juntou, de sorte a não mais a encontrarem”.

Na vida real a amizade, no verdadeiro sentido da palavra, caracterizada pela definição dos filósofos atrás citados, é algo difícil e raro. Muitos indivíduos a quem outros chamam amigos, ou que consideram ser seus amigos, não passam de pessoas conhecidas, com quem falam esporadicamente, muitas vezes por interesse, ou apenas pela necessidade de terem alguém com quem falar, ou por serem membros de associações desportivas, culturais, profissionais, são colegas, camaradas, companheiros, etc. mas não amigos, aplicando-se portanto a palavra “amizade” em sentido muito genérico  e banal. 

Aplica-se também muitas vezes o conceito de “amigo” de modo impróprio e exagerado, por exemplo nas redes sociais, pois muitos dos utilizadores das redes sociais que comunicam uns com os outros, não são propriamente amigos, e muitos nem se conhecem pessoalmente. Um conceito mais recente, mas cuja prática também existia certamente no mundo antigo. Neste caso o conceito de “amigo” também é problemático, atendendo à definição de “amizade” dada pelos autores citados, e a aplicação do conceito de “amizade” poderá também ser considerada inapropriada. A tradução de amizade colorida para inglês é friends with benefits, cuja tradução literal é "amigos com benefícios". Ora na amizade verdadeira, no sentido da palavra, conforme as definições atrás citadas, não se faz amizade por benefícios, mas sim amizade por amizade.

Não há certamente uma amizade pura, há sempre certos interesses, mesmo naquelas a que se aplica o conceito de “amizade” definido pelos autores atrás citados. Muitas vezes essas considerações sobre a amizade, de que são exemplo as definições dadas pelos autores citados, são uma idealização de amizade, como sucede na idealização sobre o amor, em que muitas pessoas procuram o “príncipe encantado”.

Ora, a “amizade colorida” diz respeito à necessidade de relacionamento também sexual de ambos os envolvidos, sem se deixarem comprometer emocionalmente, ou seja, é um tipo de ligação sem o  romantismo típico de namoros. Trata-se de duas pessoas que se conheceram por exemplo numa festa e que gostariam de voltar a encontrar-se mais vezes uma com a outra, mas sem que estejam ligadas entre si, pois cada uma permanece livre na sua vida no dia a dia, e nos seus relacionamentos.

A vantagem de uma “amizade colorida” é o facto de a pessoa nela envolvida ter mais tempo disponível para prosseguir os seus próprios objetivos, a sua realização pessoal, como por exemplo estudar, escrever, pintar,  dedicar mais tempo aos negócios, ou à sua profissão, dado que um namorado, um companheiro ou um marido implicam mais compromisso, e geralmente exige mais tempo para uma pessoa estar com a outra pessoa. Em vez de ter uma mulher ou um marido só por ter, mas não lhes poder dar atenção, muitos indivíduos optam por uma relação com uma certa estabilidade com alguém, mas sem que seja um marido, adequando-se portanto neste caso o conceito de um “amigo colorido”, por haver uma intimidade maior do que a simples amizade: conversas íntimas, troca de carícias e relações sexuais.

Há pessoas que preferem um “amigo colorido” não apenas por falta de tempo para um investimento a tempo inteiro numa pessoa, mas também porque não se sentem vocacionadas para terem um namorado, e que não querem viver juntas, nem serem um casal. Por um lado não querem relações sexuais ditas “engate”, pois querem algo mais estável com uma pessoa, mas por outro lado não querem que essa pessoa seja um namorado, um companheiro, ou um marido. Há um certo compromisso, que não é apenas o da amizade, mas que também não é o do namoro e da relação marital.  Também pode acontecer que a pessoa que tem uma “amizade colorida” possa ter mais amizades coloridas, dado que seria mais difícil ter  mais pessoas num relacionamento marital, (ter diversos maridos), a não ser que enverede no chamado “poliamor”. Mas em vez do poliamor, em que há um compromisso maior com cada uma das partes, a amizade colorida deixa as pessoas mais livres. Isso não significa que essas pessoas queiram relações sexuais ocasionais, a “amizade colorida” pode também ser algo estável, mas sem ser o compromisso que envolve o relacionamento com um namorado ou com um marido, nos casos em que certas pessoa não têm tempo, ou vocação,  ou temperamento, do ponto de vista psicológico, para terem um relacionamento a dois durante o tempo todo, como sucede entre namorados, companheiros, e maridos.

Há um certo compromisso, que não é apenas o da amizade, mas que também não é o do namoro e da relação marital.

Há indivíduos que eram apenas amigos e que passaram também a ter relações sexuais, sem que o relacionamento evolua para namoro. Há também indivíduos que esporadicamente tinham apenas relações sexuais um com o outro, sem haver mais nada, isto é, sem haver amizade, mas cujo relacionamento evoluiu para uma amizade, mas continuando a haver relações sexuais, passando então à chamada “amizade colorida”. Mas se é algo mais do que encontros para sexo, isto é, se saem juntos a um bar, se conversam, se passeiam, mas sem compromisso entre ambas as partes, havendo no entanto também relações sexuais, conversas íntimas, etc., aplica-se também aqui o conceito de “amizade colorida”. Alguns indivíduos avançam para uma relação de namoro, e ficam a ser companheiro ou marido um do outro, mas outros não avançam para algo mais. Estamos portanto no meio termo entre os encontros apenas para relações sexuais, e a relação de companheiro ou marido. É um meio termo como por exemplo na religião, entre os crentes e os ateus: os agnósticos, pois estes não se comprometem a defender que Deus existe nem que não existe. 

As relações entre muitos indivíduos nos dias de hoje, ditas “namoro”, são na verdade “amizades coloridas”, pois esses indivíduos estão poucas vezes juntos, e  só se encontram geralmente aos fins de semana. Mas também há amigos, e até mesmo namorados, que só se encontram só aos fins de semana, e portanto não é a periodicidade com que se encontram que define o tipo de relação. Em tudo isto, há muitas vezes uma confusão de sentimentos, em que a pessoa não percebe se o relacionamento que tem com o outro é uma amizade colorida ou um namoro, pois isso depende de cada um. Geralmente num namoro as pessoas encontram-se frequentemente, e passam mais tempo juntas quando se encontram, enquanto na amizade colorida isso não acontece, mas também poderá haver indivíduos que mantém uma “amizade colorida”, e que têm consciência de que o seu relacionamento é apenas o de uma “amizade colorida”, mas que se encontram e estão juntos frequentemente.

Alguns indivíduos que dizem que têm uma amizade colorida com alguém, no fundo tem uma relação emocional mais forte (alguns não namoram devido ao facto de um dos indivíduos não estar interessado nisso). Por outro lado, alguns indivíduos que dizem que namoram, no fundo a relação que mantém com outro indivíduo é o de uma amizade colorida, e não a de um namoro. Traçar as fronteiras entre uma coisa e outra é muito difícil,  mas não devemos ter preconceitos para com a “amizade colorida”, se cada uma das partes se sentir bem e se sentir melhor nessa forma de relacionamento, que nos tempos de hoje tem crescido muito.

Victor Correia