A (mal)dita beleza
Desde que tenho noção da minha existência, ousei sempre fugir a rótulos. Sempre escolhi os caminhos mais difíceis e quis sempre desafiar e contrariar os impossíveis da vida.
E tive que pagar um preço. E bem caro. Comentários, piadas ou até brincadeiras que terminavam sempre com "não me leves a mal, mas..".
Que raiva!
E como doía quando alguém começava ou terminava um comentário com essa (mal)dita frase.
Ora sobre a falta de beleza. Ora a escolha profissional. Ou o corpo. Ai o corpo! Tantas vezes criticado e maltratado.
Há uns anos, eu era muito mais magro. Muito mesmo.
Não chegava aos 55 quilos.
E para evitar olhares ou comentários cheguei a ter vergonha de ir à praia.
Numa ilha como a minha, fugir do local desejado por todos, era este o meu fado.
Muitas vezes precisava apenas de ouvir uma palavra que me aquecesse o coração. Ou uma mão que me desse confiança. Ou até mesmo um elogio com braços que rodeasse o meu corpo e me acalmasse.
O tempo ajudou a cicatrizar as feridas. E quando pensava que já estava tudo ultrapassado, voltei a enfrentar alguns fantasmas do passado.
Foi neste último fim-de-semana. Numa passagem de olhos pelas redes sociais, fui baleado com uma frustração literária embrulhada em crónica.
O tema: a imagem.
As visadas: Maria Botelho Moniz e Cristina Ferreira.
Engoli em seco cada palavra.
Senti raiva..
vergonha...
frustração...
tristeza.
Um homem a reduzir duas mulheres, profissionais de comunicação, à imagem que apresentam em televisão, é de um pensamento inqualificável.
E não podemos fingir que é com elas. As outras. A minha forma de repúdio não pode ser só colocar um emoji de coragem ou tristeza. Temos de dar nome às coisas e não ter medo de usar as palavras. Gordo é adjetivo, gordofobia é crime. É tão claro. Enerva-me o assobiar para o lado da parte de quem deve intervir. E tem o dever de o fazer.
E esta reflexão faz-me recuar no tempo e parar numa altura em que na escola era moda os "rankings"
O mais bonito
O mais bem-vestido
O mais sexy
O mais..
Nunca fui mencionado nessas categorias. Habituei-me ao que já era hábito. A vergonha de não ser nada era muita.
Quantas noites deitei a cabeça no travesseiro a desejar acordar noutro corpo.
Nunca aconteceu. Se calhar foi melhor assim.
O tempo acabou por me dar confiança. Mas continuo a não fazer parte dos TOP + do que quer que seja.
E o que se escreveu neste fim-de-semana ofende muitas Cristinas, Marias, Joanas, do nosso país.
Mais do que uma mulher mostrar solidariedade por outra mulher, quando é atacada, é urgente os homens não permitirem que "outros" homens se protejam na "falsa liberdade de expressão" para sentenciar discursos ultrapassados e com cheiro a ditadura.
Sinto vergonha.
Ai a (mal)dita beleza.
Filipe Alexandre Gonçalves
Jornalista