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"A Revolução do Homem" de Phill Barker

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“Um homem a sério é «alto, forte, musculado, tem entre 25-45 anos» (ou seja, ao que parece eu já sou demasiado velho para ser um homem a sério!), «é saudável, heterossexual, competitivo e dominante». Um homem a sério é «um polícia, um bombeiro, um mecânico, um advogado, um homem de negócios ou CEO». É alguém «zeloso, competente, um líder». «Bebe, assiste a e pratica desportos, e sai com os amigos.» Como de costume, não demonstra qualquer emoção para além da «raiva e da excitação». É «inflexível e violento». Este nosso herói «está sempre disposto ao sexo, tem muitas parceiras sexuais e sabe que fazer sexo é marcar pontos». «Tem um pénis grande, fica teso quando quer é mantém-se teso.» É também «sempre capaz de proporcionar um orgasmo à sua parceira» (ou orgasmos múltiplos) e «ejacula quando quer». Tem uma vida sexual focada em «coito, broches e possivelmente sexo anal (dar)».” A Revolução do Homem, Phill Barker (2020:29)

 

 

Phil Barker, jornalista e autor de A Revolução do Homem traz-nos um manifesto sobre o modelo de masculinidade perfeita e o mito da "Man Box", sobre os efeitos tóxicos do paradigma da masculinidade hegemónica como da necessidade de transformação para uma masculinidade mais positiva, saudável e segura.

Enquanto jornalista e colunista que se debruça há décadas a explorar as questões ligadas à masculinidade e seus elementos vários como são os corpos, o sexo, a pornografia, as relações amorosas, a paternidade, as amizades masculinas, mas também o suicídio e a violência doméstica, Barker mostra-nos a partir das suas experiências pessoais e profissionais, o flagelo do modelo tradicional de “masculinidade” dentro da expectável “Man Box” e da sua erosão.

Para quem não conhece o termo, “Man Box”, termo que o autor cita ao longo do livro, diz respeito ao conjunto de crenças que pressiona os homens para que adoptem um determinado padrão de comportamento: “serem duros, fisicamente dominantes, não mostrarem emoções, serem o ganha-pão, os eternos controladores, usarem a violência par resolver problemas, e terem muitos/as parceiros/as sexuais” (modelo de comportamento partilhado quer entre masculinidades hetero como homossexuais). 

Tais requisitos, garantias para os homens serem vistos como “homens de verdade”, não só mostram ser incompatíveis com a empatia, amizade, abertura e a capacidade de amar e de ser amado, a capacidade de mostrar e desenvolver afecto para com o próximo, como acarretam consequências profundamente prejudiciais, física e psicologicamente, levando até ao suicídio daqueles que se esforçam para encaixar nos limites desta frágil e castradora “caixa da masculinidade”.

“A Caixa do Homem é frágil. Se continuarmos a tentar abrir-lhe buracos, vai acabar por se desmoronar. Se todos os homens forem honestos consigo mesmos, assumirão que, pelo menos uma vez na vida já trataram alguém de uma maneira que sabiam ser ofensiva, abusiva ou pior, simplesmente porque estavam a tentar «agir como um homem». Para a maioria de nós, isso já se passou mais do que uma vez.”

Reconhecer a misoginia, a homofobia, o racismo, o preconceito de forma geral, serão porventura os primeiros passos para desconstruir e combater essas mesmas formas enviesadas de entender e construir a masculinidade. Ainda que, um pouco por todo o mundo surjam movimentos supremacistas brancos, discursos de ódio neonazis, que denunciam a suposta «misandria» feminista face aos homens – o movimento dos direitos dos homens e as suas reivindicações por mais direitos na sociedade também já chegou a Portugal – o autor mostra-nos como no futuro, numa sociedade cada vez mais informatizada onde as tecnologias varrem a força de trabalho masculina tradicional em prol de cérebros criativos, será inevitável repensar estas masculinidades e o significado em ser-se homem.

Apesar do enunciado do livro espelhar de grosso modo o lugar de fala do autor, enquanto homem cisgénero, heterossexual, branco e de classe média, este mostra não deixar passar a crítica actual em torno da construção sociocultural dos marcadores de género e sexo, assim como da transitoriedade e performatividade das identidades, ao qual afirma:

No futuro, algumas pessoas serão do sexo masculino e algumas pessoas serão do sexo feminino, e algumas pessoas irão escolher não se identificar com nenhum dos géneros. Algumas pessoas serão transexuais. Não importa. Os seus órgãos genitais e os seus traços de personalidade não estarão interligados. O único julgamento que outras pessoas poderão fazer é o seguinte: é uma pessoa boa ou não?

Após a presente passagem mais não seria necessário dizer sobre o paradigma de género e das masculinidades. Os indicadores de violência doméstica, os feminicídios, os casos de assédio e violência sexual feminina, os suicídios e mortes acidentais de homens que provariam até ao derradeiro momento a sua virilidade mostram falar por si e como hoje mais do que necessário é imperioso (re)pensar o que significa ser homem/humano. 



ISBN:  9789722538855  

Editor: Bertrand Editora

Páginas: 280

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer.