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A triste realidade do que é transfobia

 

danichi marques

Transfobia, etimologicamente o medo (fobia) de trans (além de), é muitas vezes definido e  simplesmente reduzido como o pavor, ou ódio, e todos os comportamentos a isto associado  perante a coexistência com pessoas trans e a transgeneridade e/ou a transexualidade. Aqui vamos ver afinal o que é ou não transfobia, uma perspectiva de como ela pode surgir e quem é o transfóbico. 

Referi coexistência porque ser transgénero não é algo de novo e existem diversas evidências no registo histórico, como também no registo arqueológico, para a existência de fenómenos sociais seja de diversos géneros, como os terceiros géneros de várias comunidades indígenas americanas ou o papel funcional do eunuquismo em várias sociedades orientais; como  também comportamentais, de indivíduos a apresentar aquilo que hoje é descrito como disforia  de género, como o caso de Heliogábalo, mais propriamente Avita Bassiana (um dos possíveis  nomes pelo qual ela gostaria de ser tratada) é possivelmente a primeira mulher trans da história documentada. 

Atendendo a que realmente não é algo de novo, então porquê este ódio perante pessoas que  não se conformam com um género que lhe foi atribuído, algo que não foi escolhido pelas  mesmas e são constantemente alertadas para cumprirem com um papel e marcas identitárias  de algo que não é seu? 

Esta pergunta pode ter várias respostas, mas a meu ver passa muito por aquilo que a sociologia chama de ideologias de género. Algo que muitos usam de forma pejorativa ao  esmo tempo que tendem a possuir e querer perpetuar uma determinada ideologia de  género. Mas então o que é uma ideologia de género? 

Porquê este ódio perante pessoas que  não se conformam com um género que lhe foi atribuído, algo que não foi escolhido pelas  mesmas e são constantemente alertadas para cumprirem com um papel e marcas identitárias  de algo que não é seu? 

É, nada mais nada menos, que todo o conjunto de idealizações e ideias que um indivíduo  possuí perante uma construção de género, que está por sua vez já possui um conjunto de  ideias e idealizações em que se baseia, e como tal, uma ideologia de género subjacente. Todo  o discurso da ideologia de género nas escolas é uma aberração e baseada em pressupostos  errados do que é género e o conceito teórico de ideologia de género. 

Todo  o discurso da ideologia de género nas escolas é uma aberração e baseada em pressupostos  errados do que é género e o conceito teórico de ideologia de género. 

Já sabendo isto, é bastante comum e normal pessoas não se identificarem propriamente com  uma determinada idealização de género, por mais hegemónica que esta seja, pelo simples facto de sermos todos indivíduos, com visões diferentes do mundo e de nós mesmos. Um fenómeno de questionamento do papel de alguém no mundo, e em particular relacionado ao género, e o que realmente implica ser ou não homem ou mulher é algo totalmente ordinário,  esperar que esta “crise de fé” (envolve bastante fé acreditar que efectivamente existe apenas dois géneros e que é assim que a sociedade deve funcionar) resulte sempre numa  conformidade com a noção hegemónica inerente da construção de género que está  estabelecida no mundo ocidental. É não compreender sequer que para sequer ser válida a  pergunta é necessária pelo menos duas respostas, nenhuma mais válida ou mais correta que a  outra por sua própria inerência. A resposta certa não existe, existe apenas a dúvida em si,  quem tem de encontrar a resposta mais acertada é e sempre será cada um perante a sua  própria experiência e para si apenas. É transfóbico a negação deste direito de cada um. 

Por outro lado isto não implica que a construção de género em si não seja questionável e,  como já referenciei, outras não apenas existiram como efectivamente existem. Aquilo que perante uma perspectiva eurocêntrica é um fenómeno de carácter trans, numa outra sociedade  pode simplesmente ser mais um género integrado na ideologia hegemónica de género e como tal inerente da sua construção de género. Ser-se trans é e sempre será, por definição, um fenómeno não confirmativo e inerente de uma construção de género, fazendo apenas sentido  dentro desta mesma construção, por exactamente surgir no cerne das contradições que cada  ideologia de género gera. O fenómeno prejudicial é em si o género, e perante as dinâmicas que  este implica leva a existência da experiência Trans. 

Quero também reforçar que isto não implica um desconforto com o próprio corpo e  características sexuais primárias ou secundárias, a transgeneridade pode ou não levar a  alguém a querer alterar as suas características sexuais. A nossa construção de género é bastante condicionada, mais do que muitas, exactamente por ser binária, homem e mulher, não  prevê terceiros géneros, a ambiguidade, outros géneros, fluidez ou a ageneridade, tudo isto  logo entra numa fenomenologia de transgeneridade. Como tal existe uma ocorrência bastante  acrescida de experiências Trans que se condicionam apenas numa manifestação binária, por  uma tentativa de protecção ou até condicionamento por uma melhor sociabilização num papel  ou idealização de género prevista na nossa construção. De forma alguma isto invalida a experiência ou as necessidades destas pessoas e as suas escolhas, caso assim o decidirem ou  não, a realizar cirurgias de afirmação de género. Uma pessoa transexual é tão válida como qual quer outra, nem mais nem menos, seja por ser trans ou não ou por ter realizado qualquer alteração que realmente seja permanente do seu corpo ou não. Ser trans não se resume a ser transexual, como também não se resume a apenas questionar um papel de género. É  necessário a pessoa assumir um género que não seja conformante com o a ela atribuído à sua  nascença. É transfóbico qualquer destas reduções. 

Ressaltar, e bastante importante que se o faça, que não é por alguém não ter noção e  consciência disto que torna em si a pessoa em alguém que é transfóbico. A sociedade em si, por estar organizada na maneira que está, por não dar visibilidade a estas questões e negar a  que toda a gente tenha acesso a este conhecimento, é transfóbica. Um sujeito só se torna em transfóbico quando tem consciência do que está a fazer e como é errado e penoso a todes que  têm uma experiência trans, uma identidade e expressão de género não conformante com a si  atribuída a quando nasceu. 

Ninguém é isento a noções transfóbicas. Todas as pessoas trans já tiveram momentos da sua  experiência que sofreram por transfobia internalizada inclusivamente. Mas aquele que sabe e  tem noção, e perpetua ideias e idealizações que diferem contra quem não se conforma com  elas, é e sempre será transfóbico até quando o fizer.

 

Danichi Marques (ela/dela)