Antes morto que calado
Ontem, após o ocorrido, comentei com um amigo:
"Sabes aqueles alvos do tiro com arco? Parece que carrego um nas costas. Sou uma pessoa tranquila e respeitadora mas, pelo simples facto de existir, de ser homossexual, parece que incomodo muita gente."
Pois é! Curioso como a nossa existência enquanto cidadãos LGBT incomoda tanta gente. Passo a relatar o ocorrido. Vivo com os meus pais, não interessa o motivo, a razão da minha escolha, mas vivemos juntos. E, na passada sexta-feira, houve reunião de condomínio. Nunca vou a estas reuniões, pois o apartamento está em nome dos meus pais e estes ainda se encontram capazes de tratar destes assuntos.
Vivemos em Massamá, eu nasci em Massamá e estamos neste condomínio há quase 25 anos. Sou alguém bastante conhecido na comunidade. Nasci aqui, fiz a escola aqui, fui professor durante 7 anos na Universidade Sénior, em resumo, sou uma pessoa conhecida e respeitada na comunidade.
Quando nos mudámos para a actual residência, o prédio e as relações entre os vizinhos sempre foram cordiais e, arrisco dizer, familiares. Sempre me dei com toda a gente, mas tinha duas grandes amigas, mãe e filha. A mãe faleceu há 11 anos, deixando muitas saudades. A filha, empresária do ramo da optometria saía comigo, falávamos todos os dias, era uma amiga que estimava e considerava. Após a morte da mãe e consequente casamento com alguém bastante duvidoso, afastou-se, começou a arranjar problemas com todos os vizinhos, em particular comigo e com os meus pais. Eu sendo uma pessoa que prefere perder a razão a perder a paz, afastei-me e deixei de lhe falar, fruto das muitas situações que nos causou.
Voltando à dita reunião e no seguimento do que contava, a dita senhora, empresária dos óculos, decidiu, no final da reunião começar a levantar falsos testemunhos em relação à minha mãe. A minha mãe ao dar-se conta confrontou-a e apenas lhe disse: "Em consideração à amizade que havia entre a minha família e a sua mãe, a senhora devia ter um pouco mais de respeito por mim. Porque tenho idade para ser sua mãe e não lhe falto ao respeito."
A senhora fora de si, em frente de uma série de vizinhos disse para a minha mãe: " Não a posso ouvir a si nem ao maricas do seu filho..."
Eu não estava presente na reunião e, ao saber, questionei-me como é que alguém que foi minha amiga e fora de qualquer contexto utiliza a minha orientação sexual para me ofender e atingir os meus pais. Fiquei inquieto, aborrecido, com muito ódio, mas a vida ensinou-me que nem sempre nos podemos calar, que não podemos assobiar para o lado quando nos decidem atacar utilizando a nossa orientação sexual como ofensa, para nos minimizar.
Passei 24 horas inquieto, fiz pesquisas na Internet, falei com amigos, advogados, trabalhadores de associações LGBT e cheguei à conclusão que tinha de fazer algo, se não apenas por mim, por todos aqueles que diariamente sofrem abusos e humilhações devido à sua orientação sexual. Pouco a pouco, uma denúncia de cada vez, contribuiremos para um mundo mais justo e equalitário.
Se estás a passar por alguma situação de discriminação, eis algumas coisas que podes fazer:
✓ Apresenta queixa formal na tua esquadra de residência ou na esquadra do local onde foste vítima de discriminação.
✓ Se não te sentires confortável de ir à esquadra, podes apresentar a tua queixa na plataforma em linha UNI-FORM (https://ilga-portugal.pt/denunciar-a-discriminacao/uni-form-plataforma-internacional-de-denuncia/).
✓ Apresenta o teu caso ao Observatório da Discriminação (https://pt.surveymonkey.com/r/Observatorio2024).
✓ Por muito medo que tenhas, lembra-te de que não estás sozinho. O crime de homofobia, de acordo com o Código Penal Português, é punível com pena de prisão entre 6 meses e 5 anos.
✓ Acima de tudo dá-te valor, rodeia-te daqueles que te amam e respeitam. Não deixes que te pisem. Antes morto que calado.
Ricardo Falcato