Antínoo na poesia e na arte em Portugal
Antínoo, amante do imperador Adriano, no jardim António Nobre (jardim de S. Pedro de Alcântara), em Lisboa. Escultura do séc. XIX, de autor desconhecido
Antínoo nasceu na Bitínia (actual Bolu, no norte da Turquia), no ano 111 d. C., e faleceu em Antinoópolis (Egipto), no ano de 130 d. C. Era um jovem de grande beleza, e foi parceiro amoroso e sexual do imperador romano Adriano. Após o acidente da sua morte por afogamento no rio Nilo, o imperador Adriano deificou Antínoo e fundou um culto organizado dedicado à sua adoração que se espalhou por todo o Império romano. Grandes poetas mundiais escreveram poemas sobre Antínoo. Em Portugal houve três grandes poetas consagrados, que também escreveram poemas sobre Antínoo, que transcrevemos seguidamente:
ANTÍNOO
Era em Adriano fria a chuva fora.
Jaz morto o jovem
No raso leito, e sobre o seu desnudo todo,
Aos olhos rasos de Adriano, cuja dor é medo,
A umbrosa luz do eclipse-morte era difusa.
Jaz morto o jovem, e o dia semelhava noite
Lá fora. A chuva cai como um exausto alarme
Da Natureza em acto de matá-lo.
Memória de que el' foi não dava já deleite,
Deleite no que el' foi era morto e indistinto.
Ó mãos que já apertaram as de Adriano quentes,
Cuja frieza agora as sente frias!
Ó cabelo antes preso p'lo penteado justo!
Ó olhos algo inquietantemente ousados!
Ó simples macho corpo feminino qual
O aparentar-se um deus à humanidade!
Os lábios cujo abrir vermelho titilava
Os sítios da luxúria com tanta arte viva!
Ó dedos que hábeis eram no de não ser dito!
Ó língua que na língua o sangue audaz tornava!
(...)
Fernando Pessoa, Poemas ingleses, 1915
LAMENTAÇÃO DE ADRIANO SOBRE A MORTE DE ANTÍNOO
Não escreverei mais o meu nome em letras gregas sobre a cerca das tabuinhas
Porque estás morto
E contigo morreu o meu projeto de viver a condição divina
Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, 1972
DELFOS, OPUS 12
Adriano aqui veio duas vezes
Chorar Antínoo, mais perto da Bitínia.
Mas não o viu aqui, nem quereria vê-lo
na pedra mais que branca,
crua e seca. Aqui se encontram
mas desencontrados
- como um destino apenso
À solidão dos ossos, repetida
Em cada vez que vemos.
Pedro Tamen, Retábulo das Matérias, 1987
Existem também muitos desenhos, pinturas e esculturas, sobre Antínoo, espalhados em diversos monumentos e museus do mundo. Em Portugal, no espólio do museu da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, no álbum de desenhos do famoso escultor Joaquim Machado de Castro, há um conjunto de desenhos, estudos e apontamentos, em torno de obras importantes de estatuária da Antiguidade Clássica. Este álbum de desenhos situa-se entre os anos de 1799 e 1816. O escultor Machado de Castro desenhou, cópias de algumas obras da estatuária greco-romana, e uma delas é Antínoo.
No espólio museológico da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, existem também vários desenhos antigos que retratam Antínoo, o amante do imperador romano Adriano. Um deles retrata uma estátua de tipo grego, de Antínoo de corpo inteiro, completamente nu, e foi feito a carvão (n.º de Inventário: FBAUL/576/DA). É um desenho de autoria de Benvindo António Ceia, e foi feito em 1891. Foi uma prova de exame da aula de desenho da mesma Faculdade, e posteriormente esteve em duas exposições: a exposição dos trabalhos dos alunos da então denominada Escola de Belas Artes de Lisboa, no ano lectivo de 1890-1891, e a exposição dos Pensionistas do Estado em país estrangeiro no ano de 1891. Este trabalho foi premiado pela Escola de Belas Artes, por isso faz parte do espólio de desenhos antigos na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Na mesma colecção, existe também um desenho antigo de um nu masculino, que retrata também Antínoo, feito em 1898, e que é de autoria de João Eugénio Duarte de Castro (Inventário nº. 243). O autor recebeu por este desenho uma medalha de prata, nesse mesmo ano, desenho esse que passou até hoje a fazer parte do espólio de desenhos antigos da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
Outro artista da mesma Faculdade foi António Félix da Costa, que no concurso anual da Aula de Desenho Histórico do ano lectivo de 1860-1861, foi premiado por um desenho de cópia do dorso de uma estátua de Antínoo. Existe o registo sobre o desenho e o prémio (inventário nº. 235), mas o desenho encontra-se em falta, pois provavelmente o autor levou-o, ou perdeu-se.
O artista Joaquim António Viegas (1874-1946) fez também um desenho de Antínoo, de corpo inteiro, para a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em 12 de Julho de 1895 (n.º de Inventário: FBAUL/291/DA).
Também o artista Carlos Augusto Lyster Franco (1879-1959) fez um desenho de Antínoo, que é aliás o único desenho de sua autoria existente na coleção de Desenho Antigo da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Trata-se de uma representação em carvão da estátua de Antínoo em vulto pleno, que foi a sua prova de exame para a cadeira de Desenho Antigo, classificada com 17 valores, o que poderá ter motivado a atribuição da medalha de bronze nesse ano lectivo. Desconhece-se o ano em que foi feito, mas dado que terminou a sua formação em desenho em 1896, terá sido próximo desse ano (inventário n.º 251).
Também o pintor João Pedro Monteiro, no ano de 1843, na segunda edição do concurso trienal da Associação de Belas Artes de Lisboa, apresentou na secção de Pintura Histórica, um quadro a óleo representando uma estátua de Antínoo. Sabemos isso através do seu historial enquanto aluno nessa Faculdade, na qual esse quadro não existe, mas sim outros desenhos de sua autoria (Inventário n.ºs: 376, 376.1.).
Na colecção de desenhos antigos desta Faculdade existe outro desenho de Antínoo (n.º de inventário: FBAUL/471/DA). É um desenho feito em carvão, do torso de Antínoo, visto de frente. Não se conhece a autoria nem o ano, mas é também do século XIX. Foi um desenho possivelmente executado na classe de Desenho de Estátua da Aula de Desenho Histórico, e faz também parte da colecção de desenhos antigos em conformidade com o artigo 32.º do capítulo IV, do regulamento da Academia de Belas Artes de Lisboa, que foi aprovado em 24 de Dezembro 1859, segundo o qual os trabalhos que obtivessem prémios seriam guardados na Academia, como aconteceu neste caso.
Também na cidade do Porto, no espólio museológico da sua Faculdade de Belas Artes, existem alguns desenhos do século XIX, representando Antínoo. De Henrique César de Araújo Pousão (1859-1889), existe o desenho Cabeça de Antínoo. É um desenho em carvão sobre papel, sem data, mas tendo em conta o período em que o artista viveu, é um desenho do século XIX (nº inventário: 98. Des. 410). Deste artista existe também no espólio museológico da mesma Faculdade outro desenho da cabeça de Antínoo (nº inventário:98. Des. 438). Do artista Joaquim Vitorino Ribeiro existe também um desenho em carvão, de Antínoo, com a referência do século XIX (n.º inventário: 98. Des.226). No espólio do mesmo museu existe também uma escultura em gesso, da cabeça de Antínoo, de autor desconhecido (n.º inventário: 99. Esc.345).
No espaço público da cidade de Lisboa existe um busto de Antínoo, na parte de baixo do jardim António Nobre (também denominado jardim de São Pedro de Alcântara). Trata-se de uma escultura feita em pedra lioz, de autor anónimo, e é do século XIX. Esta escultura está erguida sobre um pedestal, numa das colinas de Lisboa, e está enquadrada numa das melhores vistas sobre a cidade. Pode ver-se a fotografia desse busto, na ilustração deste artigo. No Museu Nacional Nacional Soares dos Reis, no Porto, existe também uma escultura em gesso patinado, em baixo-relevo, do século XIX, também sobre Antínoo.
Referimo-nos aqui a obras de arte antigas. Esperemos que nos tempos de hoje os artistas portugueses continuem também a representar Antínoo, que foi um dos maiores símbolos do homoerotismo na Grécia antiga, e que actualmente é um ícone LGBT.
Investigação de Victor Correia