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As consequências da Inconsequência

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Em jeito de sequela a uma das crónicas anteriores, e também porque este tópico têm surgido em conversa com várias pessoas, esta semana queria debruçar-me um bocadinho sobre o tema da erosão emocional acerca do qual comecei a falar anteriormente e também sobre os motivos pelos quais eu acho que é um conceito muito diferente de “cansaço emocional”.

Quando no título da crónica falo em “Inconsequência”, falo na forma como todos nós, sem excepção, encaramos o acto de nos relacionarmos uns com os outros dentro da nossa comunidade, seja ao nível dos nossos círculos de amizades, seja ao nível dos relacionamentos afectivos e/ou sexuais. Deixo desde já a ressalva que não vou de forma alguma manifestar-me contra o sexo casual entre adultos, com consentimento mútuo e que acaba por ser de certa forma, uma forma relativamente inconsequente de satisfazer as nossas necessidades físicas e, em determinadas circunstâncias, também as emocionais a um nível básico. 

No entanto, tenho-me deparado há algum tempo com a dúvida de “quanto casual é “demasiado” casual?” e se a consequência maior da inconsequência mal comunicada a nível sexual, não será mesmo a incapacidade de, a longo prazo, criar algo mais profundo com alguém.

A parte da comunicação é o aspecto fundamental aqui: quando nos deparamos com uma pessoa que nos diz desde o início que só procura sexo, há uma clareza no discurso que nos permite fazer uma escolha informada acerca da nossa  aceitação (ou não) desses termos. Falhas na comunicação a esse nível, seja por que motivo for, revelam uma atitude inconsequente ao nível da utilização das palavras que normalmente gera confusão (e problemas) de um dos lados. Nestas situações, a Inconsequência manifesta-se ao nível de coisas que são ditas da boca para fora sem se pensar de todo no impacto que podem ter na outra pessoa, o que acaba por gerar a erosão emocional de que falo: um estado de esgotamento das nossas reservas emocionais, não por termos tomado decisões ou passos em plena posse de toda a informação, mas porque tivemos que lidar com as consequências das escolhas de outra pessoa que não foi clara desde o início. Quando isto se repete ao longo do tempo e é transversal a várias pessoas com quem contactamos, é muito fácil chegar a um ponto em que, como eu disse há alguns meses em jeito de piada, “estamos em processo de selecção de candidatos ao título de desilusão do próximo trimestre”. Simplesmente começamos a achar que vai ser sempre assim com toda a gente.

A Inconsequência manifesta-se ao nível de coisas que são ditas da boca para fora sem se pensar de todo no impacto que podem ter na outra pessoa, o que acaba por gerar a erosão emocional de que falo: um estado de esgotamento das nossas reservas emocionais, não por termos tomado decisões ou passos em plena posse de toda a informação, mas porque tivemos que lidar com as consequências das escolhas de outra pessoa que não foi clara desde o início.

Esse estado de espírito transforma-se muito facilmente numa espiral em que pensamos que talvez seja melhor “fechar a loja” durante uns tempos - algo que já fiz várias vezes -, mas que hoje em dia me interrogo se vale mesmo a pena. Isto porque, de certa forma, podemos ter umas semanas ou uns meses de “reset”, mas é difícil acreditar que quando voltarmos à carga, por assim dizer, não vai acontecer exactamente a mesma coisa, sendo, por isso, talvez preferível continuar a gramar a pastilha e irmos ficando anestesiados e aprendendo a lidar melhor com as consequências da inconsequência alheia e talvez minimizar o quanto nos deixamos afectar por ela.

A bem ou mal, somos este ser social que tanto consegue elevar o outro ao seu melhor, como conseguimos com que ele se sinta inadequado, desajustado e incapaz. A frustração maior surge precisamente pelo facto de muitos destes sentimentos poderem ser evitados com cuidado na comunicação, tanto ao nível das coisas que se dizem, como das coisas que ficam por dizer, e acima de tudo, fazendo uma escolha consciente para que aquilo que se diz seja pautado por honestidade emocional. 

Recentemente tive a experiência com uma conversa no Tinder com o autor de um daqueles perfis que dizem que querem conhecer com calma e para quem o sexo não é uma prioridade. Encontrámo-nos várias vezes, eu com a ideia de que aquela pessoa estava eventualmente à procura de algo mais sólido, ele com uma ideia completamente oposta. É verdade que o sexo foi consensual, mas foi uma decisão que eu tomei com um enquadramento e investimento emocional diferentes dos que tenho quando parto para um engate casual, porque supostamente aquela pessoa estaria à procura de algo mais. Quando mais tarde me diz que está à procura principalmente de sexo e de expandir a rede de fuckbuddies, é impossível não sentir um ligeiro desconforto. É certo que eu teria tido sexo com aquela pessoa independentemente de ser casual ou não, mas se soubesse isso desde o início, partia para as coisas com uma mentalidade completamente diferente. Mais uma vez, não tenho nada contra uma pessoa ter uma rede de fuckbuddies (que também a tenho) porque pelo menos já sabemos que teremos alguma compatibilidade com aquelas pessoas. No entanto, voltamos aqui à questão daquilo que para mim é quase uma espécie de “consentimento emocional”: ambos sabem desde o início em que pé estão um com o outro e não há ninguém a pensar numa coisa enquanto o outro lado pensa em outra.

Em jeito de conclusão, acho que é claro que eu não tenho nada contra o estabelecer de ligações casuais com outras pessoas, desde que isso seja feito de forma honesta e que haja esta coisa que chamei de “consentimento emocional” (não sei se o termo já existe, mas se não existe, you heard it here first!). Só acho que enquanto pessoas que têm que co-existir no mesmo espaço e, no caso de Lisboa, dentro de uma dating pool de dimensões reduzidas, é importante pensarmos um bocadinho mais no impacto que a nossa falta de clareza ou honestidade emocional tem nas outras pessoas. É importante, acho, termos a noção de que as nossas palavras nunca ficam pelo ar e que nós nunca sabemos em que estado é que está o terreno em que essas palavras vão cair. Por muito difícil que a honestidade seja, é sempre mais fácil a longo prazo para todos.

 

R. J. Ripley