Às manas Cláudio, Manuel e Flávio
Cláudio Ramos, Manuel Luís Goucha e Flávio Furtado são três das figuras públicas que contribuíram, em diferentes níveis, para uma maior visibilidade da homossexualidade na televisão, pela presença assídua que foram tendo.
Não falo na visibilidade de toda a comunidade LGBTQIA+, porque há um longo caminho a percorrer e não são estes os interlocutores que abrirão caminho a uma maior representatividade. Também é certo que nunca lhes foi pedido que fossem activistas. E também já não poderiam sê-lo, atendendo aos sucessivos casos e às posições de privilégio que ocupam.
O que se passou no Big Brother não é uma questão menor. É um condicionamento. Cláudio Ramos não tinha o direito de condicionar a forma como os concorrentes se tratam entre si. O suposto atestado de masculinidade que ele, Goucha e agora Flávio quiseram passar, diz mais deles do que dos concorrentes. Isto é sobre desconforto, sobre o medo de voltarem a ser julgados, depois de terem conquistado o público e terem chegado à tal posição de privilégio. Não condicionar seria compactuar com a “diferença” e perder o seu público. Querem tanto pertencer que se juntam àquela facção que só aceita o homossexual masculino, discreto, “fora do meio”, recatado. E parece-me que eles acreditam que preenchem essas características. Mas essa é uma consideração que terceiros fazem de nós. Enquanto uns podem vê-los nesse padrão, outros percepcioná-los-ão da mesma forma que eles vêem estes concorrentes.
Somos uma comunidade, mas mantemos as nossas características individuais. E é saudável discutirmos diferentes pontos de vista. Não podemos concordar com tudo. Mas fazê-lo na TV nacional, numa posição dominante (apresentador vs. concorrente), e sem contraditório, é perpetuar o preconceito. Tratarmo-nos por manas, bichas, paneleiros/paneleiras, ou quaisquer outras expressões historicamente usadas para nos ofender, é tomar controlo da nossa narrativa, é assumir o nosso conforto por sermos quem somos, é a nossa arma contra o ódio, é símbolo da nossa união, do nosso companheirismo. Isto não é sobre masculinidade. Temos dois concorrentes confortáveis na sua pele.
Tratarmo-nos por manas, bichas, paneleiros/paneleiras, ou quaisquer outras expressões historicamente usadas para nos ofender, é tomar controlo da nossa narrativa, é assumir o nosso conforto por sermos quem somos, é a nossa arma contra o ódio, é símbolo da nossa união, do nosso companheirismo. Isto não é sobre masculinidade.
Temos três figuras públicas que não estão.
E sim, Flávio, os meus amigos podem chamar-me de mana, mas o meu vizinho, o meu patrão ou a minha tia, não. E tenho todo o direito de me sentir ofendido por isso. Não lhes dei espaço, não lhes dei confiança.
Esta exposição não é a pedir um cancelamento. Não funciona; este é um acto repetido na TVI. É só uma chamada de atenção para a forma como continuamos a ser percepcionados na televisão nacional que, quer queiramos quer não, continua a reunir as preferências da maioria da população. É um alerta para escolhermos melhor os nossos ídolos ou, bem dizendo, quem parece nos representar.