“Humor”, “infeliz”, “ofensa gratuita”, “lamentável”, “erro” ou “não oportuna”. São algumas das várias as reacções ao cartaz que marcou o fim desta semana em Portugal.
E nem no Bloco de Esquerda houve consenso. O cartaz que apareceu há dois dias nas redes sociais, e que segundo o jornal Público estaria fisicamente nas ruas de Portugal – versão entretanto desmentida pelo partido – tal como Jesus Cristo, não agradou a todos.
Esta sexta-feira o Bloco de Esquerda esclareceu que haveria apenas um cartaz nas ruas (foto abaixo) e que a imagem de Jesus Cristo se destina às redes sociais: “Não se trata de um cartaz, mas da forma de, nas redes sociais, com recurso ao humor, chamar a atenção para a conquista da igualdade entre todas as famílias.” Respaldando-se que a frase não é da autoria do Bloco, mas um velho slogan do movimento internacional pela igualdade de direitos das pessoas LGBT, o Bloco de Esquerda sublinha que “respeita todas as convicções religiosas”. Com esta iniciativa, pode ler-se em comunicado, o Bloco de Esquerda “pretendeu contribuir, como sempre fez, para, sem tabus, provocar o debate e, neste contexto, assinalar mais um avanço no respeito pela dignidade das pessoas e por todas as famílias.”
No Facebook, Marisa Matias, a ex-candidata presidencial apoiada pelo Bloco de Esquerda assumiu que o cartaz em causa “saiu ao lado da intenção que se pretendia. Que foi um erro.”
Também Miguel Vale de Almeida, antrolólogo, activista pelos direitos LGBT, ex-deputado independente pelo PS e fundador do movimento que originou o Bloco de Esquerda comentou nas redes sociais: “Não percebo a razão de uma campanha para celebrar algo já conquistado (e com a Procriação Medicamente Assistida ainda pendente). Também não percebo o recurso à religião, que sempre se defendeu, e bem, ter de estar fora do debate”. Vale de Almeida acrescentou ainda que tem “uma certa aversão ao esfregar coisas na cara quando se está (de algum modo, bem sei) no poder – mesmo quando a condição ‘normal’ foi/é termos homofobia esfregada na cara a toda a hora. Ou seja: não se percebe e está tudo errado em vários planos – e, sim, incluindo o do respeito pelas convicções religiosas de outrem por parte da política organizada”.
Francisco Louçã, histórico do Bloco, comentou na SIC que a iniciativa “não foi oportuna”.
A associação dos homossexuais católicos Novos Rumos emitiu entretanto um comunicado em que considera que estas atitudes destroem as pontes que são tão importantes para a mudança na sociedade. “Quando queremos realçar uma mudança da lei não precisamos de ir buscar formas que podem ofender algumas pessoas. Só cria uma sociedade de facções. E nós na Novos Rumos temos plena consciência de que esse não é o bom caminho.”
À Direita:
Pedro Mota Soares do CDS-PP, criticou o BE pela “ofensa gratuita à sensibilidade de muitos portugueses, crentes ou não crentes”. “Em política, como na vida, podemos discordar das ideias dos outros, mas não devemos ofender os sentimentos dos outros” disse o ex-Ministro e deputado.
“Lamentável, de mau gosto e injuriosa”, foi como D. António Marto vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) considerou a campanha do BE em declarações à agência Ecclesia.
Também um grupo de jovens católicos lançou esta sexta-feira uma petição pública exigindo um pedido de desculpas do Bloco de Esquerda.
Num artigo de opinião designado “Obrigadinho, ó Bloco”, publicado no jornal Observador, o Padre Gonçalo Portocarrero de Almada assinala os “dois erros” da campanha: o primeiro é a afirmação de uma dupla paternidade de Cristo: “Jesus nunca se refere a Deus como seu outro pai, nem sequer como um dos seus pais, mas sempre como o seu único e verdadeiro pai. Portanto, Jesus Cristo, como aliás todos nós, tem um só pai e uma única mãe, não dois pais sem nenhuma mãe, nem duas mães sem nenhum pai”. O padre e comentador do Observador aponta o dedo à “insinuação de que haja alguém que “também” tenha dois pais. Ninguém há que os tenha, porque todos os seres humanos, sem excepção, são filhos dos seus progenitores, que são sempre uma mulher e um homem […]. Por mais que a lei civil permita uma tal aberração, só é viável a geração havida de um homem e de uma mulher. Isto não é religião, nem ideologia; é genética e biologia.”
Nas redes sociais
E na internet propagam-se os memes com o mote do cartaz do Bloco de Esquerda:
Autor: Hugo Van der Ding
18 Comentários
Anónimo
http://imageupload.co.uk/images/2016/02/2 7/bloco-de-esquerda-ivg.jpg
Anónimo
“A associação dos homossexuais católicos Novos Rumos emitiu entretanto um comunicado em que considera que estas atitudes destroem as pontes que são tão importantes para a mudança na sociedade. “Quando queremos realçar uma mudança da lei não precisamos de ir buscar formas que podem ofender algumas pessoas. Só cria uma sociedade de facções. E nós na Novos Rumos temos plena consciência de que esse não é o bom caminho.””
Eu como homossexual católico agradecia que esta treta de associação que se diz pró-LGBT não falasse em meu nome.
Anónimo
Era interessante fazerem um inquérito/sondagem para se apurar a opinião da comunidade LGBT sobre este cartaz do BE.
Pelos comentários aqui, na página e pelo que me foi passando no feed do Facebook, uma esmagadora maioria não gostou e reprovou.
Manuel Santos
Abaixo a censura ! Viva a liberdade de expressão ! (até mesmo se for para criticar a religião).
Anónimo
Concordo. Felizmente os representantes dos católicos LGBT em França pensam de forma diferente: ress.com/2012/11/tumblr_mccurnjkps1rexat vo1_250.jpg
https://ouiaumariagepourtous.files.wordp
Filipe
Eu sou cristão (mas não católico) e o cartaz não me choca. Eu não o faria pois atentaria contra a minha Consciência. Que outros o façam por serem agnósticos ou ateus, respeito.
Mas sejamos honestos. É um cartaz que revela burrice. Vejamos. Segundo o Census mais de 90% dos portugueses são cristãos. Cristo é a figura central do cristianismo e é Sagrado para quem se identifica como cristão. Usar um símbolo religioso nesta temática da adopção só vai atiçar a fúria de alguma parte da população e dar argumentos a religiosos mais dedicados.
O cartaz foi um falhanço tão grande que até figuras centrais do próprio partido o criticaram.
Muitos católicos verão o cartaz como um ataque e uma ofensa. E não vale a pena atacar os católicos. A Igreja em Portugal não se mexeu contra a adopção por casais do mesmo sexo como tem feito em Espanha, França ou Itália. A Igreja não tem homens fortes a legislar ou com poder político como tem no PP em Espanha. Não estão programadas grandes manifestações de rua de católicos contra os gays como ocorreram num passado recente em França, Espanha e Itália.
Este cartaz foi um enorme erro estratégico. Não havia necessidade.
Filipe
Falei com alguns homossexuais próximos e também reprovaram. A minha sondagem do círculo de amigos com quem abordei o tema diz que 5 reprovam e para um o tema é indiferente. Eu reprovo portanto somos 6 a reprovar e 1 para quem é indiferente.
Anónimo
Sim, porque sete pessoas são claramente representativas de uma comunidade inteira.
Anónimo
“Eu não o faria pois atentaria contra a minha Consciência.”
Está a dizer que atentaria contra a sua homofobia internalizada?
“Segundo o Census mais de 90% dos portugueses são cristãos.” cs_of_atheism#Europe
Porque essas estatísticas são mesmo de confiança. Mas já que falamos em estatísticas, aqui está esta:
https://en.wikipedia.org/wiki/Demographi
70% dos portugueses acreditam na existência de um deus. Como os cristãos acreditam na existência de um deus, a percentagem de cristãos é portanto inferior a 70%.
“Usar um símbolo religioso nesta temática da adopção só vai atiçar a fúria de alguma parte da população e dar argumentos a religiosos mais dedicados.”
Atiça a fúria dos homofóbicos, o que é o objectivo. Mas realmente não se esperava que tanta gente que se diz pró-LGBT desligasse o cérebro.
“O cartaz foi um falhanço tão grande que até figuras centrais do próprio partido o criticaram.”
A verdade é que inicialmente ninguém no BE se opôs ao cartaz. Só que como alguns membros influentes do BE têm o hábito de se comportarem como ratos a saírem de um navio ao mínimo risco de afundamento (e aqui o problema do BE não foi o cartaz mas sim a cobardia). Aliás, foi o que aconteceu com figuras como Ana Drago, Rui Tavares e Daniel Oliveira que fugiram para o L/TdA e depois ficaram chocados ao descobrir que afinal o BE tinha duplicado a votação.
“Muitos católicos verão o cartaz como um ataque e uma ofensa. E não vale a pena atacar os católicos.”
Porque claramente os fanáticos católicos são os melhores a decidir sobre o que é ofensivo ou não. Isto vindo de uma instituição que só nos anos 60 condenou o anti-semitismo (apesar de Jesus ser judeu, mas acho que é melhor não referir isto antes que muita gente fique ofendida) e que só nos anos 90 admitiu que Galileu tinha razão.
“A Igreja em Portugal não se mexeu contra a adopção por casais do mesmo sexo como tem feito em Espanha, França ou Itália.”
Isto é uma piada? E o PSD e o CDS serem partidos que se definem como “democratas”-cristãos?
“Não estão programadas grandes manifestações de rua de católicos contra os gays como ocorreram num passado recente em França, Espanha e Itália.”
Isso é em Portugal as pessoas são se manifestam por motivo absolutamente nenhum. Já em Portugal só houve duas ou três manifestações significativas contra o governo PSD/CDS enquanto em Espanha houve dezenas de manifestações significativas contra o governo PP. Por isso não é só a esquerda que é “preguiçosa” em Portugal, mas também os homofóbicos são preguiçosos e preferem limitar-se aos comentários online.
“Este cartaz foi um enorme erro estratégico. Não havia necessidade.”
Discordo. Este cartaz serviu para expor que no fundo em mentalidades Portugal não é muito diferente da Rússia (onde a homofobia predomina) e da Coreia do Norte (onde não se dizer nada sobre o “Querido Líder” que possa ser interpretado como “ofensivo”). Mas vão sempre a tempo de emigrar para um desses países.
Manuel
Boa noite,
Meu caro, escreveu um dos melhores comentários que vi neste site.
Faltou muita coisa, tipo estratégia e respeito, e houve realmente burrice a mais.
Sou homossexual e sem religiao. Mesmo não me ofendendo a mim, para que ofender outros?
A minha liberdade termina quando toca a do próximo. Aqui parece que há um empurrão na liberdade do próximo.
Acho triste que ainda tenhamos de impor vontades.
Manuel
Meu caro,
Que comentário foi esse? A religiao, mesmo não concordando, respeita-se. Eu sou homossexual, não religioso mas tenho a capacidade de respeitar quem é e pratica, mesmo que para mim não faça sentido.
é daqueles que critica por criticar não é? Tente ter um pouco mais de prazer no seu dia a dia que isso passa.
Manuel
Boa noite,
Essas imagens partiram de uma associação católica, como sendo uma leitura do Novo Testamento. Ainda lhe digo que havia outra imagem que mostrava Maria como primeira mulher “barriga de aluguer”. O contexto também era diferente, a criação destas imagens data de 2012, nessa data o casamento e adoção entre pessoas do mesmo sexo ainda não eram permitidas na lei francesa. Outro pequeno pormenor é que estas imagens quase passaram despercebidas nesse país. Com que então os estrangeiros são mais avançados nê?!
Ben Nevins
Custa um pouco a Crer Intelectualmente num Deus visível que se faz Homem . . . E a Justificação que para Deus tudo É possível é . . como que Desconversar.
Mais fácil é Crer numa força Maior . . mas quanto mais Dogma e Obrigação se imposer . . . Menor Liberdade de Consciência real se tem.
A Religião Organizada sob qualquer foma, parece Menor quanto Maior é Proibição e a suposta manutenção de ordem natural.
Anónimo
“Que comentário foi esse?”
O mesmo pergunto-lhe a si. Criticar religiões (o que nem é o caso quando se diz que Jesus teve dois pais, o que não pode de forma alguma ser interpretado como uma crítica) não implica desrespeitar religiões. Desrespeitar uma religião seria sim assediar pessoas com base nas suas convicções religiosas. Se eu disser que “Deus é um filho da puta” (citação do único Prémio Nobel da Literatura português) posso estar a criticar o Cristianismo mas não estou a faltar ao respeito a ninguém. E a liberdade de expressão quando a mesma passa a assédio ou discurso de ódio, não quando alguém se diz ofendido em nome de uma religião. E eu que pensava que eram todos Charlie, mas pelos vistos só se as religiões visadas forem outras (mas, já agora, o Charlie Hebdo também faz muitas críticas ao Cristianismo).
“Tente ter um pouco mais de prazer no seu dia a dia que isso passa.”
Esta parte do comentário era completamente escusada (e de baixo nível). Defender a liberdade de expressão não tem nada a ver com quão satisfeita uma pessoa está com a sua vida sexual.
Anónimo
“A minha liberdade termina quando toca a do próximo. Aqui parece que há um empurrão na liberdade do próximo.”
Onde é que há um empurrão na liberdade de terceiros? Dizer que Jesus teve dois pais (o que, segundo a Bíblia, é verdade) empurra a liberdade de alguém? Você não defende liberdade nenhuma, defende sim que a Igreja Católica deve ter o monopólio da liberdade de pensamento e que os católicos que se identificam com o cartaz não passam de “hereges”.
Isto de dizerem que vêm as suas liberdades postas em causa (quando não é o caso) como pretexto para imporem dogmas preconceituosos…
Anónimo
Parece que na Rússia também há censura: an-atheist-faces-jail-under-anti-blasphe my-law/
http://www.euronews.com/2016/03/03/russi
Felizmente em Portugal não há leis anti-“blasfémia” e por isso vai tudo limitar-se à choradeira das fanáticas e das burras.
Anónimo
“Segundo o Census mais de 90% dos portugueses são cristãos.”
A SIC (estação televisiva pertencente ao ex-líder do PSD) diz que são 81%… Oops…
Anónimo
“Também Miguel Vale de Almeida, antrolólogo, activista pelos direitos LGBT, ex-deputado independente pelo PS e fundador do movimento que originou o Bloco de Esquerda comentou nas redes sociais: “Não percebo a razão de uma campanha para celebrar algo já conquistado (e com a Procriação Medicamente Assistida ainda pendente).”
Isto nem parece vindo de um activista LGBT. Então porque a adopção por casais do mesmo sexo está conquistada em Portugal, a homofobia desapareceu por magia? Seriously?