Com a discussão na Assembleia da República dos projectos-lei que permitirão a adopção por casais homossexuais, com votação agendada para amanhã, sexta-feira, os meios portugueses já avançaram com notícias e a internet respondeu à altura. Uma pequena expedição pelas páginas de meios tão sérios e sisudos como o Diário de Notícias, o Diário Económico e o Expresso mostram que a melhor forma de atrair cavernícolas ao mundo exterior é acenarem-lhes uma caixa de comentários de um jornal de referência e darem-lhes rédea larga.
Fernando Alves poderá ser considerado um deles. No comentário que largou na notícia do DN “Casais do mesmo sexo vão poder adotar”, mostra que o programa Ler + do Ministério da Educação não está a dar frutos. Dá vontade de chamar a Edite Estrela para por ordem nesta inacreditável salganhada.
Para além da fixação Vista Alegre/celebração da passagem de ano que compara o sexo entre duas mulheres a “bater pratos”, o comentador sugere um novo nicho a ser explorado no mundo da TV a cabo nacional: a abertura de frequências infantis como o PandaGay ou o DisneyGay. À atenção da NOS e da Altice.
Na notícia da Rádio Renascença “Esquerda leva adopção por homossexuais ao Parlamento na quinta-feira”, o utilizador Petervlg, de Valongo, prevê um futuro em que as crianças serão impedidas de serem heterossexuais, tendo de se resignar a uma triste vida de opressão interior, sofrendo com a rejeição dos amigos e da família, chorando de dor debaixo do cobertor enquanto lêem o folheto de uma associação de apoio a jovens heterossexuais com alguma esperança que o mundo mude no futuro, permitindo-lhes expressar os seus afectos em liberdade.
Durante um mês e tal de constantes análises políticas, os portugueses limparam o pó aos Marx, ao Engels e ao Boaventura que tinham na estante. Só isso explica que, na notícia “Parlamento aprova amanhã adopção por casais gay” do Diário Económico, o leitor Grunho (sic) tenha tecido uma análise marxista à homossexualidade, cunhando um novo termo: política de centro-traseiras, ou Não Há Bichas Pobres.
João Pedro Moreira dá uma sugestão de tema fracturante para a direita. Não deixemos de imaginar o debate parlamentar deste projecto de lei. Que seria…
Zé, na mesma notícia, revolta-se (SEMPRE EM CAPS, O QUE INDICIA TER MAIS DE 50 ANOS) contra o facto de os parlamentares estarem a discutir temas mesquinhos como a filiação legal de crianças ao invés de darem condições ao cidadão comum para poderem por o lixo à vontade à noite sem recear serem assaltados por criminosos ansiosos por levarem sacos da Vileda cheios de cascas de bananas.
“Rabióbis.”
No Expresso, na notícia “Esquerda traz (outra vez) os temas fraturantes a debate”, o leitor mg constata:
Os nossos pais são homossexuais e não sabíamos?
9 Comentários
Sandrina
Façam uma pesquisa pelas revistas cor de rosa sobre o beijo da Daniela Mercury à esposa e apreciem os comentários! É a verdadeira apologia da ignorância!
O Homem Certo
Deviam dizer esta ao meu pai. Tenho pais heterossexuais e logo por azar saí homossexual. E a minha irmã heterossexual.
Se calhar a orientação dos pais nada tem a ver com os filhos… Digo eu.
Anónimo
“Durante um mês e tal de constantes análises políticas, os portugueses limparam o pó aos Marx, ao Engels e ao Boaventura que tinham na estante. Só isso explica que, na notícia “Parlamento aprova amanhã adopção por casais gay” do Diário Económico, o leitor Grunho (sic) tenha tecido uma análise marxista à homossexualidade, cunhando um novo termo: política de centro-traseiras, ou Não Há Bichas Pobres.”
Como marxista homossexual, aproveito para dizer que o marxismo e as ideologias de esquerda não se identificam minimamente com este tipo de comentários. Este tipo de comentadores não passam dos chamados “esquerdomachos” que dizem ser de esquerda mas cuja mentalidade é inteiramente reaccionária. O socialismo tem que ser para todos, não apenas para alguns.
António
Eu pensava que já tinha lido de tudo… há muita ignorância por este país a baixo… É cada barbaridade escrita sobre este tema que até dá dó. Haverá explicação científica lógica de como a mente humana pode ser tão limitada, tão retrógrada, tão… sei lá… Eh pá!! estamos no século XXI, era escusado…
Sandra M. Lopes
O que devemos sugerir aos partidos de esquerda é que lancem uma campanha na TV pública para educar a população. Idealmente em «prime time», entre o telejornal e a telenovela, um apontamento/rubrica de 5 ou 10 minutos no máximo, qualquer coisa chamada como «Desfazendo mitos» em que se abordasse um assunto dentro da temática LGBT e que se explicasse a realidade. Idealmente deveria ser co-apresentado por uma personalidade pública bem conhecida, um membro da comunidade LGBT, e um(a) médic@/psicólog@/sociólog@/antropólog@. Se não se conseguisse fazer isto na TV pública, talvez na rádio para começar. A TSF tem uma série de apontamentos deste género, para questões fiscais, para pedopsicologia, para tecnologia, para economia, sei lá, e mais uns tantos temas. São sempre coisas curtinhas, 5 minutos no máximo, e vão repetindo.
Talvez ajudasse. Isto é de produção ultra-low-cost e seria real serviço público. Pois este tipo de comentários, que se vê a aparecer em todo o lado, só mostra ignorância — mas é a ignorância de quem nunca teve educação sexual a sério nas escolas (porque é verdade: não a tiveram. Eu não a tive, com os meus 46 anos, na escola só se falava vagamente da biologia humana e pouco mais).
David
Bom comentário e sugestão
Alexandre
Com este tipo de posts só se alimenta o ciclo: gozaram e reprimiram-nos, deixa cá expor e gozar com a ignorância alheia agora…
A sugestão deste comentário parece-me a mais inteligente.
É uma resposta humana normal recear o que não se conhece, acredito que por trás de cada afirmação intolerante exista um receio e medo concreto, receios acerca da sua própria sexualidade não resolvida, receios de que a sociedade o mundo tal como o conheceu esteja a mudar e que essa mudança seja para pior, ou para algo para que não seja capaz de lidar, sobretudo, que a tolerância para outras formas de viver e ser, ponha em risco a sua própria.
Não se combate intolerância com intolerância, nem com sobranceria, que a actual disposição de poder político parece legitimar, ou o jogo do aprova/desaprova leis vai-se perpetuar com a periodicidade das mudanças de regime.
Mais do que aproveitar para “castigar” ou ridicularizar, espero que se aproveite para fazer diferente.
Anónimo
Ou seja, segundo o Alexandre, o preconceito é “uma resposta humana normal”. Com gays que toleram preconceito, quem precisa de heteros homofóbicos?
Anónimo
Se forem ler as caixas de comentários do grupo do Facebook do Instituto Superior Técnico verão que por lá não é muito diferente. Os alunos de lá podem ter médias mais altas que os estudantes de Medicina mas pelos vistos a educação e o pensamento crítico dos mesmos é inexistente.