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A canção da Joni Mitchell que serve de título a esta crónica, é muito provavelmente, uma das canções mais bonitas alguma vez escritas por alguém. É uma celebração daquela maturidade agridoce que vem com o envelhecer e da capacidade de olhar para as coisas com outros olhos ou de ver ambos os lados de uma mesma moeda.

 

Já passou mais de um ano desde que aterrei em Lisboa e, tal como fui documentando ao longo destas crónicas, fui passando por situações pelas quais nunca tinha passado antes. Escrever estes textos tem sido essencial para mim, muito embora ultimamente não escreva com a regularidade inicial. Isso deve-se a vários factores, mas acho que o factor principal está relacionado com uma mudança na minha maneira de encarar as coisas acerca das quais escrevo (especialmente ao nível dos relacionamentos). Com o tempo, essa maneira de processar eventos tornou-se menos reactiva e mais reflexiva. Inicialmente eu escrevia um pouco em resposta imediata ao que me ia acontecendo, mas estes dias acho que tenho a cabeça menos quente e prefiro escrever depois de já ter processado as coisas.

Isto traz-me de volta ao título desta crónica. Escrever para vocês (e para mim) tem sido fundamental para o processo de ganhar alguma perspectiva e ser capaz de olhar para a vida de uma forma mais ampla e mais vasta. Tem sido também fundamental para ser capaz de olhar para as relações de uma forma menos tempestuosa e mais calma e ponderada. A Joni canta a dada altura:

Moons and Junes and Ferris wheels,

The dizzy dancing way you feel

As every fairy tale comes real

I’ve looked at love that way.

But now it’s just another show

And you leave them laughing when you go

And if you care, don’t let them know

Don’t give yourself away.

 

Acho que estes versos representam na perfeição o processo frequentemente doloroso que existe entre o conteúdo do primeiro e do segundo. Entre tudo aquilo que a nossa Cultura ainda completamente presa ao Romantismo do séc. XIX nos ensina que devemos sentir como condição sine qua non quando nos apaixonamos por alguém, e a realidade de se tentar construir algo com esse alguém. Sugerem-nos a transição entre aquele primeiro boost de neurotransmissores e todas aquelas tentativas falhadas em que pensamos durante semanas (e às vezes durante meses) que “se calhar vai ser desta”, só para vermos as nossas esperanças goradas mais uma vez e voltar à estaca zero.

No entanto, gosto de pensar que quando voltamos a esse ponto inicial, nunca voltamos exactamente ao mesmo sítio onde estávamos no início (what doesn’t kill you gives you trauma… PERDÃO! … makes you stronger!). Esse recomeço acontece sempre com um pouco mais de bagagem que se calhar dispensávamos ter adquirido, mas se soubermos lidar com esse peso extra em vez de entrarmos numa discussão connosco próprios em que tentamos negar que ele existe (tipo quando as senhoras da Ryanair decidem sacar da balança no embarque e a gente jura a pés juntos que pesou a mala em casa e que não fazemos ideia de onde é que vieram aqueles 5kg extra), conseguimos encará-lo como sabedoria, em vez de - mais uma vez - nos rendermos aos exageros e sobre-simplificações do Romantismo. 

Acho que é isso que a Joni quer dizer quando canta if you care, don’t let them know, don’t give yourself away. Não me parece que seja um incentivo a um estoicismo emocional, quase anestesiado, mas sim um relembrar que o conteúdo da primeira quadra é efémero e não é a vida real. É verdade que cada desilusão ou esperança gorada parece acrescentar mais uns metros de altura à parede que achamos que temos que construir para, de alguma forma, nos pouparmos a passar pelo mesmo no futuro.

É verdade que cada desilusão ou esperança gorada parece acrescentar mais uns metros de altura à parede que achamos que temos que construir para, de alguma forma, nos pouparmos a passar pelo mesmo no futuro.

No entanto, não haverá também um outro lado da moeda para essa parede?

O Romantismo é essencialmente uma doutrina extremista que dita que, tanto para o início como para o final das relações tudo tem que ser sentido ao extremo. Enquanto corrente artística e filosófica, surgiu no séc. XIX como contra-corrente ao Iluminismo do século anterior que exaltava a ordem e a racionalidade, e isso ajuda-nos a perceber não só o porquê dos “clichês Românticos”, mas também o facto que são só mais uma criação humana que surgiu pela necessidade de mudar a “Moda” na pintura, música, arquitectura, etc. na viragem do Séc. XVIII para o Séc. XIX. Só que, por algum motivo, o Romantismo parece que pespegou e conseguiu eternizar-se durante mais de 200 anos, talvez porque defende princípios algo primitivos e de acesso fácil na forma como nos relacionamos com os outros. No rescaldo do término de uma relação, diz-nos que esse término tem que ser acompanhado por um sofrimento insuportável, seguido do lançamento da proverbial bomba atómica na nossa História com essa pessoa e que o passo final é erguer a muralha de protecção  porque “temos que pensar em nós próprios”. É todo um incentivo a um Individualismo às vezes doentio (individualismo esse que é também um dos princípios filosóficos do Romantismo e uma contra-resposta à ideia de Fraternidade do Iluminismo que o precedeu e que esteve na base dos ideais da Revolução Francesa: liberdade, fraternidade e igualdade), que nos vai tornando progressivamente menos capazes de empatizar com as outras pessoas. É certo que há por aí muitos sociopatas com quem a melhor forma de lidar é mesmo criar distância, mas, no fundo, acredito que andamos todos à procura do mesmo. No entanto, muito frequentemente, não sabemos o que fazer quando o encontramos… tentamos enquadrar tudo nos moldes inflexíveis do Romantismo e se o encaixe não for “perfeito”, essa pessoa não serve.

É certo que há por aí muitos sociopatas com quem a melhor forma de lidar é mesmo criar distância, mas, no fundo, acredito que andamos todos à procura do mesmo. No entanto, muito frequentemente, não sabemos o que fazer quando o encontramos… tentamos enquadrar tudo nos moldes inflexíveis do Romantismo e se o encaixe não for “perfeito”, essa pessoa não serve.

A incapacidade de reconhecer e romper com este colete de forças é, na minha opinião, a grande responsável pelo comportamento auto-destrutivo que parece ser a norma entre homens gay: começa na inabilidade de gerar relacionamentos amorosos saudáveis porque tenta aplicar princípios que não são mais do que uma corrente artística baseada no exagero e irracionalidade, e termina em todas as coisas desagradáveis que as pessoas fazem para tentar lidar com a frustração de não conseguir encaixar o outro ou elas mesmas num modelo com 200 anos de idade.

 

I’ve looked at love from both sides now,

From give and take and still somehow

It’s love’s illusions that I recall.

I really don’t know love at all.

 

R. J. Ripley