Carta ao Pedro do Futuro
Querido Pedro Miguel,
Escrevo-te do futuro, com o coração cheio de ternura e compreensão por tudo o que estás a viver. Eu sou tu, muitos anos depois, mas hoje quero falar contigo como se fosse um amigo que te conhece profundamente, um amigo que sabe de cada sorriso, cada lágrima, cada momento de alegria e cada instante de dor que te atravessaram.
Lembro-me de ti, aí na Alemanha, com os teus olhos curiosos e o coração enorme, a tentar compreender o mundo à tua volta. Lembro-me de como era difícil sentires-te diferente na escola, como os outros meninos não te compreendiam e como isso te fazia sentir sozinho. Mas deixa-me dizer-te algo: essa sensação de ser diferente, de não encaixar, não é um defeito. É a tua força. No futuro, irás perceber que essa tua sensibilidade é um presente raro, algo que te permite ver o mundo de uma forma especial, cheia de beleza e empatia.
Pedro, sei que te sentiste esquecido quando a tua irmã nasceu, como se tivesses deixado de existir. Percebo a dor de veres o teu pai a dar-lhe a atenção que tanto desejavas para ti. Quero que saibas que essa dor não significa que não eras amado. Eras e sempre foste. Os adultos nem sempre conseguem demonstrar o amor de forma que as crianças compreendam. Isso não é culpa tua. Nunca foi. Há amor para ti, muito mais do que consegues ver neste momento. E é por isso que eu estou aqui para te lembrar.
Recordo-me de ti a brincar no sótão, rodeado de amigos imaginários, criando um mundo onde te sentias feliz. Que criatividade maravilhosa! Esse mundo que criaste foi o teu refúgio, a tua salvação. Sabes, essa capacidade de criar não desapareceu. Ela continua em ti, ajudando-te a contar histórias, a imaginar possibilidades e a sonhar.
É impossível não pensar no dia em que viste a tua mãe desaparecer para ir às compras. Lembro-me do medo, do desespero, da solidão que sentiste ao acordar e perceberes que estavas sozinho com a tua irmã. Naquele momento, pareceu-te que o mundo era um lugar frágil e inseguro. Quero que saibas que, por mais assustadora que essa memória pareça, é também uma prova da tua coragem. Tu gritaste pela tua mãe, chamaste por ajuda. Mesmo na tua vulnerabilidade, encontraste uma força enorme dentro de ti. E isso é algo que continuará contigo para sempre.
Pedro, lembro-me também das pequenas coisas que te faziam feliz: o pato vermelho resgatado pelo teu pai, os desenhos animados da Abelha Maia, as casas que construías com as almofadas do sofá. Esses momentos mostram que, mesmo em meio às dificuldades, tinhas a capacidade de encontrar alegria nas coisas mais simples. Essa é uma qualidade que muitos perdem ao crescer, mas tu nunca a deixaste ir.
Quero que saibas que não estás sozinho. Mesmo nos momentos em que te sentes mais isolado, estou aqui contigo, do futuro, a lembrar-te que vais crescer e encontrar o teu lugar no mundo. Vais aprender a valorizar quem realmente és, a dar voz à tua história e a transformar as tuas experiências em algo que possa inspirar os outros.
Há uma coisa importante que quero que saibas: tu mereces amor. Sempre mereceste. O facto de não o teres sentido plenamente às vezes não significa que não eras digno dele. O amor está em ti, Pedro, e irá guiar-te mesmo nos momentos mais difíceis.
Nunca te esqueças: a tua história importa. Cada memória, cada sentimento, cada desafio que enfrentaste faz parte do teu caminho. Tu estás a fazer o melhor que podes, e isso é mais do que suficiente. Eu estou aqui, orgulhoso de ti, grato por tudo o que viveste e pelo homem que vens a tornar-te.
Com todo o meu amor e admiração,
Pedro adulto