Cidade Proibida de Eduardo Pitta
Cidade Proibida é o primeiro romance do escritor, poeta e ensaísta português Eduardo Pitta. Autor de Persona (2003); Um rapaz a Arder (2013) e Devastação (2021), Eduardo Pitta é conhecido pelo seu carácter autobiográfico, do uso revolucionário do erotismo gay e da construção das identidades sexuais das suas personagens, fazendo do autor um dos mais aclamados escritores da literatura LGBTQIA+ portuguesa.
Este é um romance que na sua terceira edição (2014) continua a contar não só a estória atribulada entre Martim e Rupert, um filho de muito boas famílias e um inglês que se mudara para Lisboa para trabalhar como professor, como oferece um breve retrato da sociedade portuguesa contemporânea. Uma leitura que falando livremente de desejo e prazer erótico, da tentação e transgressão de papeis sexuais normativos, não deixa de revelar a doença e tirania de uma sociedade ainda assombrada pelo saudosismo colonial de um antigo regime, do preconceito de classe e fetichização da homossexualidade.
A cidade proibida é Lisboa. Uma Lisboa descrita pelos nomes das famílias Moncada, Ravara e Lemos Fortunato. Uma Lisboa construída sob o modus vivendi aristocrático destas três famílias e da relação de três gerações atravessadas por jogos de poder, de preconceito e anulação de tudo o que extravasasse o seu estatuto social. Vítima do encarceramento desta cidade proibida é a relação de Martim com Rupert. Filho de uma telefonista do M&S, Rupert Davies, mostrava pela sua “natureza clandestina” não chegar ao inner circle do Lisboeta, um meio em que ser gay e lisboeta era sinónimo de determinada conduta: “nenhum se confunda com a bicha portuguesa típica, de ordinário afectada pela síndrome da princesa.”.
Entre estereótipos e tentativas de transgressão de códigos sociais, Eduardo Pitta traz também a esta obra o flagelo do VIH e da prostituição. O medo, a incerteza, o risco da infecção e a falta de protecção retroviral no início do novo milénio. Exemplo concreto é a relação de Rupert com o seu tio, Mark Davies, sargento da marinha real britânica que despertara o desejo homoerótico e iniciação sexual do sobrinho, vindo a saber mais tarde, Rubert, da condição serológica do tio. Entre outras aventuras sexuais transgressoras, foram as cometidas entre Martim e Tó, o filho do motorista dos Moncada, por quem Matim se apaixonara e, sendo descobertos pela mãe de Martim, levara a que Tó desaparecesse durante anos por razões incertas. Por último, e não menos desafiante, é a paixão e episódio sexual entre Nuno Lemos Fortunato, avô de Martim, na altura diplomata do Estado Novo, com o curador de arte norte-americano Edmund Pierce-Merrill, aquando a atribuição de um posto em Washington. Uma aventura encoberta e só mais tarde explorada no final do livro, entre avô e neto, aquando o confronto com o destino inevitável e comum a qualquer indivíduo: o fim de tudo o que principia.
Entre as aventuras e intrigas que são narradas, na construção de personagens que embora fictícios são dotados de uma carga simbólica fortíssima, representando realidades sociais concretas, Eduardo Pitta, traz à literatura portuguesa contemporânea um outro retrato das dinâmicas de poder e autoridade vigentes, da memória colectiva de um passado colonial, do imperativo de transgressão de normas que oprimem, da reinvenção de uma sexualidade que se quer plural, da construção de uma hermenêutica homossexual em Portugal. Este é um livro onde reside erotismo, sexo, amor, sem tabus.
Cidade Proibida, Eduardo Pitta
ISBN 9789896574734
Editor: Planeta
Páginas: 144
Ano: 2007
Preço: 14€
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.