Crítica ao filme "Close" (2022)
Close é um filme sobre crescer. Sobre a perda gradual da inocência que nos é imposta pelo mundo amargo dos mais crescidos, assim como pelas implacáveis expectativas da socialização e da mentalidade de grupo. Mas Close é também um filme sobre intimidade e afecto físico, tal como o nome indica, desconstruindo-os e repensando o seu papel na masculinidade, na infância, e na sexualidade.
Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele) são dois amigos inseparáveis, cuja relação surpreendentemente carinhosa é posta à prova pelo ambiente preconceituoso da escola secundária. Um evento cataclísmico acaba por dividir Close em dois filmes distintos, mas a transição consegue ser harmoniosa o suficiente para não o perturbar em demasia.
Há lugares-comuns perigosos neste filme, mas Dhont consegue navegá-los com a sensibilidade que eles requerem. Ao protagonista Léo, é-lhe dado o espaço necessário para explorar as suas emoções conflituosas, próprias da puberdade – um fenómeno que Dhont consegue tornar completamente envolvente para o espectador. Ainda assim, não há dúvida que as restantes personagens sofrem com isso, tornando-se progressivamente unidimensionais e desprovidas de agência. Talvez essa seja a verdadeira experiência da adolescência, em que o mundo realmente parece revirar à nossa volta.
A mãe de Rémi consegue, de certa forma, escapar a este percurso redutor, graças a uma performance por parte de Émilie Dequenne que tem tanto de ancorada e sólida como de frágil e imprevisível. Mas é Dambrine que brilha, conseguindo, nos seus olhos, transmitir tudo o que fica por ser dito nos silêncios longos e meditativos de Close.
Léo contém em si o mundo, e com ele toda a sua ambiguidade, injustiça, vergonha, dor, culpa, desejo, amor, e saudade. Temas incrivelmente complexos que Dhont tenta desnudar num grau de qualidade que oscila mas nunca derrapa.
Close não traz, de todo, uma história inédita, mas não deixa de ser um bom filme de coming-of-age, que obriga a um visionamento atento. É nas suas entrelinhas, assim como naquilo que nunca é dito, que jaz a sua carga simbólica.
Pode ser lido pelo prisma queer, sim, mas nunca de forma redutora, uma vez que este explora muito mais do que a atracção sexual ou até romântica. A dinâmica entre Léo e Rémi constitui um emaranhado de sentimentos e expectativas que nada têm de simples. Os papéis de género e as minúcias da amizade masculina entrelaçam-se com o processo brutal de trocar a pele da infância por algo novo, mais cruel, menos sonhador.
A matéria ao dispor de Dhont é imensa, com tópicos que, de tão universais, funcionam sempre bem. Tirando os momentos em que o próprio realizador belga cai, também, na armadilha da simplificação, Close é um trabalho íntimo, contemplativo, e emocionalmente complexo.
Francisca Tinoco