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Não era suposto a crónica desta semana ser acerca deste tema e, pelo título, já devem ter percebido que não podia enterrar a cabeça na areia e não escrever acerca do surto de varíola. 

Mais do que escrever um Anúncio Sanitário de Utilidade Pública (o CheckpointLX é A fonte onde devem procurar informação), esta crónica vai ser uma reflexão acerca de duas manifestações da arrogância humana. 

A primeira dessas manifestações foi termos deixado de vacinar contra uma doença porque a conseguimos extinguir, apesar de esta sub-variante ser endémica em África há anos e apesar de a vacina que tínhamos ser eficaz contra ela. Há anos que o continente africano luta contra surtos desta variante mas, como não era um problema do mundo ocidental, não valia a pena dar-lhe atenção até ele nos vir bater à porta. 

"como não era um problema do mundo ocidental, não valia a pena dar-lhe atenção até ele nos vir bater à porta. "

Este ‘knock-knock’ leva-me à outra manifestação da arrogância da qual vos queria falar. A nossa arrogância dentro da própria comunidade LGBTQ+ ao acharmos que por causa dos direitos conquistados nas últimas décadas pela parte mais visível da nossa minoria (homens e mulheres branc@s, cis-género e homossexuais), a luta de toda a comunidade entrou numa fase menos intensa. No entanto, para outras letras deste arco-íris de diversidade, a luta pelo reconhecimento, pelo direito à vida e à igualdade continua tão feroz como sempre. Usemos como primeiro exemplo as taxas de crime contra transexuais no Brasil. Como segundo exemplo, e como remate ao meu argumento acerca da arrogância da comunidade gay e lésbica, utilizemos a velocidade com que os media entraram numa verdadeira verborreia homofóbica quando a varíola começou a dar nas vistas no Mundo Ocidental (apesar da sua prevalência em África). 

Eu vivi os anos mais importantes da minha infância na cultura do medo em relação ao VIH e à SIDA. Nessa altura, esse medo era justificado porque não tínhamos tratamentos eficazes e, apesar de a situação se ter invertido completamente em termos de tratamentos, ainda existe muita gente que continua a achar que é uma ‘doença gay’. 

Quantas vezes é que os media que se apressaram a noticiar que a varíola tinha sido detectada em contextos frequentados por homens que têm sexo com homens, se apressaram também a tomar a iniciativa de fazer um especial informativo para a população em geral acerca de PREP, PEP e de tratamentos modernos que reduzem a carga viral a um nível indetectável e intransmissível? Pensem nisso. 

Pensem também na rapidez com que se criou uma nova ‘praga gay’. É mais fácil inflamar o Povo para vender jornais e ganhar audiências do que ser um agente educativo relevante e, infelizmente, a homofobia continua a ser uma acendalha barata e de fácil acesso. 

Considero-me tão culpado dessa arrogância como qualquer pessoa: também eu achei que não iria voltar a viver numa altura em que a minha comunidade iria ser novamente rotulada como foco de infecção, mas foi. 

"também eu achei que não iria voltar a viver numa altura em que a minha comunidade iria ser novamente rotulada como foco de infecção, mas foi."

Vale a pena pensar nisto agora que estamos a entrar no mês do Pride e, se calhar, este ano em que parece que finalmente estamos a virar a página numa pandemia, vale ainda mais a pena olhar para o Pride como uma celebração da nossa luta pelo direito a existir e não tanto como uma festa que não pudemos ter durante dois anos. 

"vale ainda mais a pena olhar para o Pride como uma celebração da nossa luta pelo direito a existir e não tanto como uma festa que não pudemos ter durante dois anos."

A luta continua e enquanto a sociedade se agarrar a LGBTQ+Fobia com esta facilidade, aquilo que temos a perder se baixarmos os braços é muito mais do que aquilo que já conquistámos até agora. 

 

R. J. Ripley

 

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