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Gay trintão solteiro crónica dezanove

   Car@s heterossexuais, a crónica desta semana é dedicada a vocês.

    Não. Não é um manifesto odioso e heterofóbico: é apenas uma chamada de atenção - se assim lhe quisermos chamar (ou um lembrete, vá) - para que reconheçam o vosso privilégio.

    Talvez algumas pessoas leiam esta crónica e achem que sou só eu a ser amargurado ou emocionalmente gasto e carregado de inveja por ver diariamente casais hetero a esfregar-me na tromba o quão apaixonados estão, enquanto eu estou solteiro. (Ai, perdão. Como eu disse na última crónica, eu não estou solteiro, estou “actualmente entrevistando candidatos ao título de Desapontamento do Próximo Trimestre”.) 

    Mas não: nada me enche o coração com mais alegria do que ver casais LGBTQ+ de mãos dadas ou a dar um beijo em público.

    Chegamos assim ao cerne da questão: a sociedade patriarcal, heteronormativa e predominantemente LGBTQ+fóbica em que vivemos. Uma sociedade em que a capacidade biológica de atirar mais um fedelho para o Mundo, porque Deus nos livre que a Caetana seja filha única e ainda nos falta um Tomás, uma Maria Francisca e uma cadela chamada Lady (leia-se Leide) para completar o cartão do bingo; atribui automaticamente o direito de esfregar na cara de toda a gente o quão “feliz” se é. “Feliz” entre aspas porque eu questiono o quão genuína é uma felicidade que necessita de ser afirmada, materializada, manifestada ao Universo e esfregada na cara alheia a cada 2 minutos. Pergunto-me também o que será que acontece nos 119 segundos que intervalam cada demonstração de “afecto" ou “felicidade”. Será que sofrem uma crise de ansiedade mútua em que “se eu não lhe der um beijinho, ou lhe chamar amorzinho, mor, morzão, fofa, fofo, doçura mais doce que uma Coroa de Abadessa da Pastelaria Alcôa, ele/ela vai olhar para outra pessoa e todas as nossas aspirações, sonhos e projectos a dois vão por água abaixo e daqui a 119 segundos estamos em frente ao juiz em processo de divórcio litigioso.”?

    Multipliquemos agora isto pela quantidade de casais hetero que existe e com quem nos cruzamos todos os dias.

    É. Ex. Te. Nu. An. Te.

    E o facto de, enquanto comunidade LGBTQ+ já sermos bombardeados diariamente com isto contra a nossa vontade leva-me à segunda parte desta crónica: heterossexuais em discotecas gay. 

    Os estereótipos são sempre os mesmos: ou uma manada de gym-bros perdidos de bêbedos que entraram ali por engano ou então fizeram uma aposta, ou festas de despedida de solteira em que estão todas perdidas de bêbedas e de mãos dadas a movimentar-se pela multidão com o vigor duma partida de rugby.

    Em ambos os casos, é a falta de noção de um princípio básico que me incomoda: a noção de que, para vosso espanto e horror, estes espaços não vos pertencem. Vocês só são convidados aqui e devem comportar-se como tal. São espaços em que o vosso privilégio inato e colado ao facto de poderem “crescer e multiplicar-se” não vos garante o direito de apalpar Drag Queens, ou de se roçarem em homens gay porque “se sentem seguras” e sabem que eles não se vão roçar de volta (no meu caso, o mais provável é que levem um empurrão e um berro de “FUCK OFF!”).

    E não venham com a desculpa de que “são aliad@s e têm imens@s amig@s que são e tod@s me acham o máximo” (provavelmente também são todos excelentes mentirosos… é uma capacidade que se adquire quando se passa metade duma vida a tentar esconder-se quem se é por vossa causa…). @ verdadeir@ aliad@ é quem reconhece que a nossa comunidade lutou e ainda continua a lutar pelo seu direito a existir livre de assédio, violência e perseguição e que, como tal, reconhece também que estes espaços podem chamar-se “inclusivos”, mas não lhes pertencem.

    Vocês têm para cima de 20 discotecas em Lisboa (não contei, mas deve ser…) para onde podem ir e ser vocês própri@s sem correr o risco de ser vítimas de crimes de ódio físico ou verbal. Nós temos um número que se conta pelos dedos das mãos e já temos que lidar com LGBTQ+fobia suficiente todos os dias para depois termos a noite estragada por heterossexuais que acham que podem tudo. 

    Temos que lidar todos os dias com a agressão passiva constante das vossas demonstrações públicas de afecto completamente desmesuradas e que nos fazem sentir como se tivéssemos a televisão encalhada no videoclipe duma balada teen saída de um dos primeiros dois álbuns da Britney. Isto além de termos que viver com a dúvida acerca do que nos aconteceria se, tomados por um acesso repentino e imperdoável de possidonice, nos atrevêssemos a fazer o mesmo… (certamente ouviríamos uma boca ou, na pior das hipóteses, seríamos agredidos fisicamente.)

    Por isso, queridos heterossexuais, eu não vos odeio de forma alguma, mas gostava muito que se apercebessem do vosso privilégio, fossem gratos pelo mesmo, e DEIXASSEM DE TOCAR NO CABELO E NO PADDING DAS DRAG QUEENS.

 

R. J. Ripley