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Desejo Homossexual de Guy Hocquenghem

  el-deseo-homosexual

"A heterossexualidade é apresentada como um muro construído pela natureza, mas  é apenas uma linguagem, uma mistura de signos, sistemas de comunicação,  técnicas coercivas, ortopedia social e estilos corporais.”  

Paul B. Preciado  

 

 

Se Teresa de Lauretis e Judith Butler foram consideradas as progenitoras da Teoria  Queer nos inícios dos anos 1990, Guy Hocquenghem, pode ser visto como o pai desta  corrente intelectual ainda antes do termo ter nascido. Filósofo, ensaísta, activista, é autor  de “Desejo Homossexual”, ensaio publicado em 1972, em França, considerado o  primeiro texto a confrontar a linguagem heterossexual hegemónica, faz de si um clássico  da teoria Queer. Ao abordar a construção da homossexualidade no discurso social, no  estatuto das “políticas de identidade”, e do papel da sociedade civil em determinar cada  um deles, Hocquenghem faz uma crítica aos fundamentos sexistas e heterocentrados  latentes no discurso da modernidade. 

Relembrar que este livro foi escrito há cinco décadas. Um livro que retratando uma  época, uma geração e um movimento, é por si só histórico. Uma época em que o  reconhecimento social e político da homossexualidade se esbatia em discursos médicos,  psiquiátricos e mediáticos que colocavam a homossexualidade enquanto doença a ser  curada. Relembra uma geração, a que não pertencemos mas que somos filhos e netos,  que protagonizou o Maio de 1968, que reivindicou a ampliação dos direitos civis, dos direitos sexuais e que se fez insurgir contra a guerra do Vietname e da Argélia. Do  surgimento do movimento activista homossexual na Europa e EUA, Gay Liberation  Movement, que unira esforços políticos contra a Homossexualidade enquanto categoria  patológica e de delinquência. Contra a perseguição policial e jurídica, contra as  lobotomias e choques eléctricos prescritos para tratamento do "homossexualismo", como era designado, considerado então como neurose, um perigo social equiparado à tuberculose e ao alcoolismo. 

Este é um manifesto das lutas em prol dos direitos sexuais na década de 1970, um  testemunho de um passado cumprido, mas também um apelo ao que ficou por cumprir.  Se esta obra pretendia potenciar a transformação social, expropriando a homossexualidade dos discursos médico-jurídicos e redefini-la enquanto categoria  política revolucionária, do qual em 1973 deixa de ser considerada um transtorno mental pela APA, nos dias de hoje a luta pela patologização continua a ser vivida por pessoas  Trans e Intersexo, sendo-lhes negadas a liberdade de afirmação das suas subjectividades e autodeterminação corporal. 

No posfácio do livro encontramos ainda o texto de Paul B. Preciado: “Terror anal: notas  sobre os primeiros dias da revolução sexual”, mostrando-nos como a assimilação da  homossexualidade, segundo as normas da família tradicional e das relações  heteronormativas, criara uma separação das sexualidades “perversas” das “legítimas”;  da distinção entre “camionas masculinas” das “lésbicas discretas”, das pessoas trans dispostas a encontrar o seu “verdadeiro sexo” dos corpos disfóricos sem remédio. Aqui,  o fracasso de uma luta que se queria ver transformadora. Preciado aponta ainda,  segundo a metafóra do Terror Anal, para o estatuto de privilégio biopolítico de certos  corpos/orgãos sexuais, ao qual o pénis surge como órgão sexual de excelência da  sociedade falocrática, fazendo da mulher o único objecto da actividade sexual, e no qual  reprime o ânus do acesso ao reconhecimento do desejo sexual.  

O desejo homossexual, apesar da sua geografia temporal, mostra ser uma arma crítica  actual aos fundamentos sexistas e heteronormativos da modernidade, assim como nos  relembra os esforços do movimento gay, lésbico e trans em trazer a vulnerabilidade do  corpo e sua sobrevivência ao centro do discurso político contemporâneo. Uma obra que  explorando o conceito de desejo nos mostra o caminho de emancipação e  transformação social. 

 

Género: Ensaio 

ISBN: 978-84-96614-51-2 

Idioma: Castelhano 

Publicação: 2009 

Editora: Melusina 

Páginas: 174 

Preço: 18,90 € 

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.