A promoção da cultura da monogamia remonta à época em que o ser humano começou a dedicar-se à agricultura e se fixou em territórios. Nessa época surgiu o conceito de propriedade e a consequente necessidade de garantir a sua transmissão. Para assegurar que os bens dos homens fossem transmitidos aos seus filhos biológicos, considerou-se que seria necessário fazer um controlo reprodutivo das mulheres. Esta terá sido a base da cultura monogâmica predominante até aos dias de hoje, garantir a transmissão da propriedade à linhagem masculina.
Não é por acaso que a monogamia é imposta essencialmente às mulheres. Em contrapartida, a diversificação de parceiras do homem foi sempre mais ou menos tolerada. Existem ainda hoje culturas que permitem a poligamia masculina, mas poliandria quase não existe. A diversificação de parceiros sexuais nas mulheres é secularmente reprimida. Houve épocas em que era castigo comum o apedrejamento de mulheres por prática de relações extraconjugais. Ainda hoje estas são altamente reprimidas, temos ainda na memória um juiz que desvalorizou a agressão a uma mulher, por na sua origem estar uma relação extraconjugal. Nós, mulheres, somos educadas a reprimir qualquer interesse afectivo-sexual exterior ao casamento ou ao namoro.
O conceito da monogamia, apesar de ter origem nas relações entre homens e mulheres, foi também incorporado nas relações LGBTI+. A imposição da monogamia e a sobrevalorização da exclusividade sexual normalizou-se na generalidade das relações. E hoje ainda há uma maioria das pessoas que considera que na eventualidade de a/o parceira/o ter sexo com outra pessoa há razão só por si para terminar uma relação. Mas se a base da monogamia é cultural será que não a podemos questionar? Ainda fará sentido a manutenção das relações indiscutivelmente exclusivas? Acredito que não. O amor não tem de implicar exclusividade sexual e a exclusividade sexual não significa sempre amor. Talvez exclusividade emocional tenha vinculação ao amor, mas não a exclusividade sexual.
Ainda fará sentido a manutenção das relações indiscutivelmente exclusivas?
O facto de existir vontade de ter sexo com outra pessoa não quer dizer que não se ame o/a parceira/o. Por mais que se ame a pessoa que se escolheu para partilhar a vida, acaba por surgir a necessidade de variar sexualmente. Quase todas/os nós em algum momento da vida sentimos vontade de nos relacionarmos sexualmente por outra pessoa fora da nossa relação. A novidade, a atracção, a sedução, a curiosidade em relação ao outro é algo que estimula. E não há nada de errado nisso. Se estivermos uma relação adulta e saudável com a nossa/o parceira/o, podemos dialogar sobre a questão para geri-la da melhor forma para a/os duas/ois.. Acredito que a pressão para a monogamia não é algo saudável nem para o indivíduo, nem para a relação conjugal, e que abordar o tema pode diminuir tanto a pressão nas relações quanto torná-las mais duradouras. Devido à pressão monogâmica, a maioria das pessoas acaba por reprimir desejos naturais ou, noutros casos, ocultar da/o parceira/o a relação extraconjugal, comportamentos que conduzem quase sempre a cisões. Depois da ruptura, uma nova relação, mantendo-se todavia os mesmos padrões de comportamento, reiniciando-se o ciclo. É a chamada monogamia em série. É um modelo válido, mas podemos, em alternativa, apostar numa relação longa e satisfatória.
Acredito que o futuro das relações duradouras está na diminuição da pressão para a monogamia. Se houver respeito pela individualidade da/o parceira/o, reflexão e questionamento sobre as normas culturais, os casais terão relações mais autênticas e as pessoas estarão mais próximas da sua essência.
Se houver respeito pela individualidade da/o parceira/o, reflexão e questionamento sobre as normas culturais, os casais terão relações mais autênticas e as pessoas estarão mais próximas da sua essência.
A quebra da barreira da exclusividade não será algo fácil de gerir, mas não existem caminhos fáceis para manter uma relação saudável e satisfatória ao longo do tempo.
Daniela Alves Ferreira