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Género e Poder: O que é a masculinidade?  

O que é a masculinidade livro

O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro”  - Simone Beauvoir, 1980 

O que é a masculinidade? Quando falamos em homens e masculinidade estamos a falar  da mesma coisa ou de coisas diferentes? Serão os homens os únicos autores da  masculinidade e do masculino? De onde parte a autoridade para haver a predominância  de um género sobre o outro (do masculino sobre o feminino)? Estas são só algumas das  questões levantadas da 23ª edição da colecção de Cadernos Sociais (2017) e que, através  de um conjunto diversificado de especialistas, entre a Sociologia e a Psiquiatria, tentam  responder evidenciando questões fulcrais sobre as problemáticas de género e dos  diferentes tipos de viver/construir a masculinidade. 

Sofia Aboim (socióloga), António Manuel Marques (psicólogo), Maria Aparecida Souza Couto (pedagoga) e Adalberto Goulart (médico psiquiatra), não só nos dirigem para  indagações como a importância de discutir masculinidades e feminilidades como nos  elucidam para a problemática da desigualdade das relações de poder entre identidades, expressões e papéis de género. Mostram-nos como a perpetuação da valorização  hierárquica das masculinidades hegemónicas em detrimento do menosprezo da feminilidade, numa lógica de demarcação de comportamentos misóginos, patriarcais,  machistas e homofóbicos nas sociedades contemporâneas, dizem muito a respeito do  nível civilizacional a que chegamos aos dias de hoje.  

Quando falamos de género relacionamo-nos invariavelmente com a luta e investigação feminista, reconhecendo que esta causa trouxe para a arena das discussões políticas  uma expansão dos horizontes sobre a compreensão das identidades de género, do  consentimento das desigualdades e violências perpetuadas em argumentos  essencialistas que justificam a diferença e complementaridade dos sexos (masculino/feminino), assim como da oferta de novos paradigmas ontológicos que permitam a  construção e performatividade das identidades de género. 

Antes de mais, esta obra antes de ir directa à questão mencionada no seu título “O que é  a masculinidade?”, o significado de masculinidade e feminilidade, relembra-nos através  de teóricas feministas das diferenças entre identidade de género e sexo biológico. 

Compreender como a identidade de género é construída em termos de subjectividade  individual, de como nos sentimos, nos percebemos, nos identificamos internamente  como pessoas, femininas ou masculinas, não binárias ou de género fluído, sempre em  relação ao social. Este é, porventura, um dos eixos mais problemáticos encontrados não  só nesta obra como nos nossos quotidianos, o reconhecimento social de marcadores de  identidade não binários à luz das modernas democracias, que continuam a afirmar a  subordinação d@s cidadã@s a dualismos de género que recaem em torno do sexo  biológico. 

Parafraseando a referência a Joan Scott (1995): "o género é uma forma primária de  conferir significado às relações de poder”, ou seja, historicamente o significado e  autoridade de género prefigura-se no reconhecimento que cada sociedade concebe aos  papeis e identidades de género, ao padrão binário em ser-se homem ou mulher, aos  espaços e papeis reservados a cada elemento, ao poder da masculinidade na negação  da feminilidade, da homossexualidade, da sobrestima da figura do macho viril, forte e  corajoso, com bíceps, da ideia de homem agressivo, autoritário e machista enquanto  dado natural, definitivo e indiscutível.  

Mas, ser homem, a masculinidade, será isto mesmo? Ou será antes o reforço do  masculinismo (naturalização da dominação masculina e desigualdade de género) que a  masculinidade hegemónica advoga? Neste livro, entre os diferentes autores percebemos  como os atributos associados à masculinidade são produto das práticas, das percepções,  dos discursos produzidos em conjunto, socialmente, e não determinados por  características ou essencialismos biológicos. Aqui o reconhecimento da evidente  diferença entre as corporeidades e a construção da subjectividade, do simbólico, a  masculinidade. 

Jack Halberstam, em “Female Masculinity”(1998), trouxe este novo conceito que dissocia  a masculinidade da definição heterossexual e cisnormativa, determinada pelo sexo  biológico, afirmando que só é possível compreender a verdadeira extensão da  masculinidade se considerarmos as masculinidade “feitas” no feminino. Ou seja, a  masculinidade é um processo performativo, uma construção que pode variar em práticas  e identidades infinitas, podendo materializar-se em corpos como apenas permanecer no  campo do simbólico e dos discursos. Esta ideia de feminização da masculinidade autoria  o micro-poder das “minorias subaltern@s” em visibilizar e resignificar estereótipos  identitários dominantes, assim como criar novas expressões e concepções de ser/estar. 

Remetidos ao conceito de masculinidade hegemónica, percebemos a sua associação ou  dependência das características: branquitude, classe média, meia-idade,  heterossexualidade, e, ainda, misoginia, homofobia, figura principal do patriarcado  doméstico. A masculinidade hegemónica, ainda que problemática, mostra ser uma  ferramenta interessante na leitura interseccional das diferentes formas de viver e construir  o masculino, ao qual outras masculinidades se insurgem: as masculinidades cúmplices;  subordinadas e marginalizadas. Nota: não querendo detalhar e dar spoiler, destaco o capítulo da Sofia Aboim que é bastante esclarecedor quanto a esta diferenciação das  masculinidades dominantes! 

Portanto, a masculinidade sendo um posicionamento social numa ordem de género,  plasmando as posições de hegemonia e de subalternidade, mostra ser óbvia a  necessidade de interrogar as formulações sobre a consagração das diferentes masculinidades, de questionar o paradigma homem/masculinidade e mulher/feminilidade, da criação de acções emancipatórias que não só apontem os danos  causados pela obrigação do cumprimento de modelos de identidade de género rígidos  que estabelecem um sistema de dominação, como permitam a reinvenção das  identidades de género e das identidades humanas. 

Este livro mostra-nos a importância em saber reconhecer a diferença, a diferença não por  relação à desigualdade mas como parte integrante da construção da identidade humana.  Mostra-nos que só através do reconhecimento da diversidade e das diferenças será  possível alcançar democracias representativas que façam da violência de género não a  norma mas a excepção. 

Este é um livro de ciências sociais, uma obra de cariz académico que pode e dever ser  lida por tod@s. Uma leitura que sendo fácil não deixa de revelar uma diversidade analítica e profundidade histórica sobre temas complexos. 

 

ISBN: 9789725925102 

Editor: Escola Editora 

Coleção: Cadernos Ciências Sociais 

Categoria: Livros em Português > Ciências Sociais e Humanas > Sociologia 

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.