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Há Rosa no RAP: A representatividade das rappers femininas em Portugal

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Ao longo das últimas décadas, o cenário musical mundial testemunhou uma poderosa onda de artistas femininas que conquistaram o seu espaço e deixaram uma marca permanente na indústria. No universo do RAP, género musical que nasceu nos bairros marginalizados dos Estados Unidos, as mulheres têm desempenhado um papel cada vez mais proeminente e empoderado.

A história do RAP feminino remonta aos primórdios do próprio registo, quando pioneiras como Roxanne Shanté, Salt-N-Pepa e Queen Latifah abriram caminho para uma nova geração de vozes femininas no mundo do RAP e Hip Hop. No entanto, o rap feminino enfrentou desafios únicos ao longo do tempo, tendo de lutar contra a misoginia, o sexismo e as expectativas limitadoras impostas pela sociedade e pela própria indústria musical. No contexto da música portuguesa, o RAP feminino também floresceu tornando-se um veículo de expressão para artistas que desafiam estereótipos de género e reivindicam o seu lugar na cena.

Com o passar dos anos, artistas femininas de RAP começaram a emergir em Portugal, utilizando as suas rimas afiadas e letras poderosas para abordar questões sociais, políticas e de género. Elas rejeitaram o clássico papel de backing vocals dos rappers masculinos, a que estavam reservadas, e tornaram-se protagonistas das suas próprias narrativas. O RAP feminino português tornou-se um movimento artístico marcado por vozes corajosas, líricas contundentes e mensagens de empoderamento.

As primeiras heroínas da Guerrilha Cor de Rosa

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DJAMAL. Da esquerda para a direita: Jumping, X-sista, Jeremy e Sweetalk

Falar em primeiras a chegar é uma afirmação dúbia, não sabemos quantas vozes femininas espalhadas pelo nosso “jardim à beira-mar plantado” gravaram cassetes, maquetes ou deixaram no papel letras que poderiam ser grandes hinos do RAP feito por mulheres e ficaram no anonimato, mas sabemos dos primeiros nomes que chegaram ao público como foi o caso das Djamal.

Em 1994 quatro jovens uniram-se pela paixão das sonoridades provenientes do exterior, numa altura em que as novidades ainda eram transmitidas boca a boca por aqueles que traziam álbuns "de fora". A forma artística em que se expressam ideias por meio de versos em cima de um ritmo conquistou Sweetalk, X-sista, Jumping e Jeremy surgindo assim as Djamal, que parecem ter sido esquecidas da memória da música portuguesa. Não há registo de muitas criações femininas no Hip Hop das décadas de 80 ou 90, mas, como demonstra o caso da banda, elas deixaram a sua marca na cultura do RAP Português.

Nos anos 2000 seguiram-se vozes poderosas como as destemidas Red Chikas, a ousada Eva (Rap Diva), MC Dama dava também os primeiros passos, hoje conhecida como Blaya. No Norte nascia um dos projectos femininos que deu voz a uma sólida carreira da música nacional da atualidade, a rapper Capicua. 

 

Syzygy, banda composta por Dia, M7 aka Beatriz Gosta e Ana Matos (Capicua) estreou o Rap feminino do Porto alinhando os “corpos astrais” aos beats do DJ e produtor D-One. M7 tem disponível uma mixtape “Martataka” que vale muito a pena ouvir, apesar de ter seguido por um caminho artístico diferente, a comediante nunca deixou de lado a hipótese de voltar ao jogo. Já Capicua não pode deixar de ser o “quadro no hall de entrada” desta temática, embora poucas mulheres consigam chegar ao degrau que Ana Matos alcançou, ela é a prova que o RAP é rosa sim e que há lugar para todos. 

Nascida no Porto nos anos 80, descobriu a cultura Hip Hop nos anos 90 tornando-se uma figura proeminente nos anos 00. Com formação em Sociologia, é conhecida pela sua escrita habilidosa, emocional e politicamente incisiva. Com uma extensa discografia, ela já lançou duas mixtapes, três álbuns a solo e um disco de remisturas, além de ter colaborado num disco-livro infantil, um álbum colectivo luso-brasileiro e um EP ao vivo. Nos últimos dez anos, encheu salas de concertos intensos, alcançou um público diversificado e o reconhecimento da crítica. Além disso, ela tem colaborado com vários artistas lusófonos e participado em conferências, workshops e projetos de base social. Vale ressaltar o seu aclamado talento como liricista e a sua actividade como cronista na revista Visão. 

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SYZYGY, Da esquerda para a direita: Capicua, D-ONE, Dia, M7

 

Na celebração dos 50 anos do Hip Hop que nasceu no sótão de uma casa no Bronx (NY), o dezanove.pt convidou algumas das artistas femininas mais promissoras e emergentes da música RAP Tuga da actualidade.

 

LA FUCKING DIOSA: MÁRY M (ELA/DELA)

Máry M é mais do que uma simples rapper. Ela é uma porta-voz, uma activista sonora que usa a sua arte para amplificar vozes e dar visibilidade às lutas que muitas vezes são esquecidas. A sua marca musical reflecte as convicções firmes em relação ao feminismo, à comunidade LGBTQIAP+ e à igualdade de género. Cada verso que ela lança, empodera e inspira a sua audiência a questionar as normas sociais e a lutar por um mundo mais inclusivo, onde a justiça social não é apenas mais um conceito.

Máry é uma artista de todas as cores e todo o seu caminho como rapper tem sido tão prazeroso de descobrir como necessário na história do RAP feminino em Portugal. 

O seu estilo musical é uma fusão de influências de rima afiada, com nuances espanholas que dão uma dimensão única às suas composições, uma mistura de Nathy Peluso e Mala Rodriguez, made in Portugal. Em entrevista ao dezanove.pt Mariana usou a sua voz para mais uma vez ter o compromisso das sua palavras, quando questionada sobre o sentimento da responsabilidade de representar as mulheres e a bandeira arco íris na música respondeu: “É um espaço onde tenho voz, então tento fazer esse trabalho de desconstrução, de visibilidade e de normalização. Sendo uma mulher que também se relaciona com mulheres, é importante não perpetuar ou reproduzir estereótipos (...) não sinto tanto como uma responsabilidade, mais como uma oportunidade para normalizar, expor e denunciar coisas que acho que são de denunciar.” É nessa exposição e denuncia em forma de arte, que podemos ouvir temas extremamente fortes (de deixar a pele arrepiada) inspirados em factos reais como “Miragem”, uma faixa sobre o abuso e o assédio sexual.

Capicua é a sua grande referência nacional “O trabalho que a Capicua faz pelas mulheres no rap vai muito para além das músicas (...) puxar por nós e transmitir o conhecimento e a experiência dela directamente.”  Mary M tem tanto para oferecer e promete continuar na batalha da igualdade de género “O rap sempre teve essa componente de luta, de activismo, de crítica muito presente. No entanto, como é um estilo predominantemente masculino, as vozes e as experiências das mulheres estavam silenciadas ou apagadas, simplesmente não existiam. As mulheres estavam representadas no rap a partir dos filtros e do ponto de vista masculino, o que não corresponde à nossa realidade como é óbvio. É também por isso que é muito importante existirem cada vez mais mulheres no rap, para que a partir de agora, exista um registo concreto daquilo que são as experiências de vida das mulheres, para dar visibilidade às nossas vivências e experiências no mundo. - declarou ao dezanove.pt.



BLASIAN DRIP BOMB: CHONG KWONG (ELA/DELA)

Sejam bem-vindos ao universo único de Chong Kwong, uma rapper portuguesa que desafia todos os padrões do mundo do Rap. Chong é reconhecida por muitos como a verdadeira assassina do jogo do Rap entre as mulheres, a suas letras e músicas abrangem um espectro que vai desde a volúpia até ao “Knock-out”. Apesar da sua confiança e atitude implacável, Nessa, não é feita de aço, mas sim de “Bambu”, tema onde a artista mostra a sua fragilidade numa ode aos seus pais. A rapper é uma combinação de ADN asiático e africano, o seu trabalho na música desafia expectativas e empurra limites, elevando o RAP feminino em Portugal a novos patamares sem fronteiras. Em conversa com o dezanove a Blasian Queen contou-nos as suas primeiras inspirações na música Lauryn Hill, Missy Elliott, Diam's e TLC foram algumas das referências mais importantes para mim durante a adolescência. Sendo o Hip hop um meio misógino, sempre as admirei pela iniciativa em quebrar barreiras sem nunca recorrer à hipersexualização.”

Kwong coloca no papel letras e sentimentos que a tornam incomparável, um trabalho de emoções que nos atingem como balas em forma de palavras. “Vilã”, “Lotus”, “High” "Salute" e “Chong Kwong” são a prova do talento imensurável da rapper. Feminista, sem medo do conceito confessou a sua opinião em relação aos papeis de género na música: “O RAP como em muitas outras áreas da sociedade, sempre foi um clube quase exclusivamente associado a homens cisgénero por várias razões onde, menina não entra, a não ser que seja de uma perspectiva objectificada e submissa tanto para acrescentar poder ao homem como para lhe acariciar o ego, e nunca de uma perspectiva igualitária e com respeito.”  Orgulhosa do que construiu até hoje e grata aos seus ouvintes pelo carinho que recebe todos os dias Chong deu a sua palavra enquanto defensora da comunidade LGBT e do lugar que devem ter espaço no RAP “O Hip Hop na sua origem começou por ser um estilo de música que dava voz a quem não tinha, que empoderava e celebrava a diferença (...) não sinto que isso aconteça como deveria com a comunidade LGBTQIAP+. Às vezes, fico chocada com a small dick energy que existe no mundo artístico masculino. De qualquer forma, mega shoutout para quem doesn't give a flying fuck e ‘tá a fazer história. Gloria Groove é um desses exemplos que aplaudo de pé. E mega shoutout também para os meus fãs dentro da comunidade que me enchem de love, que me dão hype e que de alguma forma se sentem representados por mim. É uma honra.


UNSHAKABLE TSUNAMI: JANI (ELA/DELA)

Apresentamos JANI, uma rapper Tuga e Berdiana cuja presença no cenário musical é um autêntico tsunami de rimas, beats e bad bitches. Com uma personalidade ousada e letras soltas, ela é uma artista que não tem medo de quebrar barreiras e expressar a sua autenticidade. Inspirada pela talentosa IAMDDB, traz um estilo único e provocador, onde as suas letras fluem livremente como as tranças do seu cabelo.

My Mygas” um dos seus temas de lançamento, rompeu 2020 com uma letra que mostra que JANI veio para marcar a sua posição no Hip Hop Tuga, a faixa mostra a energia inesgotável da rapper com um beat muito ao estilo de “Glenn Coco” da eterna Chynna, a artista norte americana que deixou tanto a prometer com a sua morte no mesmo ano do lançamento do single de “My Mygas”. Tsunami” é um cartão de identidade do flow poderoso da rapper, e se quisermos um pouco mais de slow na voz também o encontramos na sua colab, com o single “Coros”.

Vim provar que é possível fazermos o que nós quisermos com a liberdade de expressão” declarou ao dezanove.pt. Do RAP ao Trap podemos esperar o melhor da artista, aliada da causa LGBT, Jani Silva acha que a comunidade deve estar representada onde quiser “Têm todo o direito de entrar no mundo do RAP ou noutro mundo qualquer. No fim de contas somos todos humanos.”, quanto às suas colegas de profissão encoraja “Se há mulheres que desejam entrar no RAP, que o façam sem medos! Que se imponham e que tenham a coragem de se libertarem e serem quem tanto sonham ser.” Considera-se uma alma pura e quer ver o seu talento reconhecido, “Como artista quero partir a loiça toda”



RAINHA DO FREESTYLE: MULECA XIII (ELA/DELA)

Dotada de um freestyle sagaz e uma inegável habilidade com as palavras, Muleca XIII cativou o seu público com a sua capacidade de criar rimas e fluxos que ecoam na mente dos que a ouvem por dias a fio. A sua presença em palco é arrebatadora, irradiando confiança e carisma, enquanto as suas letras cortantes expressam os anseios e inquietações de uma geração. O que diferencia Samanta de muitos outros artistas é o seu compromisso em abordar questões sociais e políticas nas suas músicas. O seu reportório é permeado por críticas sociais, debates sobre desigualdade e injustiça, e uma luta incansável pelos direitos das minorias, as suas canções abrem caminhos para o diálogo sobre temas espinhosos, porém essenciais.  Uma das proezas que solidificou a sua posição no cenário do Hip Hop Português foi o momento em que chamou a atenção de um dos maiores nomes da indústria local, o renomado produtor e rapper português, Sam the Kid.

Quando lhe perguntamos quem foram os nomes que inspiraram a sua carreira como artista nomeou um legado de mulheres pioneiras no RAP do Brasil “De São Paulo, Dina Di, Cris do SNJ e as quatro integrantes do grupo Atitude Feminina. Do Rio de Janeiro as minhas referências maiores são as irmãs Nega Gizza e Kamilla CDD, e a primeira rimadora de improviso que eu vi na vida, grande amiga e influência, Bebel du Guetto.”

Nesta entrevista, conversamos com a talentosa rapper sobre o seu papel no movimento e a sua perspectiva sobre a igualdade de gênero no rap e como ela pode quebrar barreiras para abrir caminho para outras artistas Na luta pela equidade de género, o rap tem dois papéis cruciais na minha opinião. Ele é uma plataforma de denúncia e reivindicação, e é oriundo das ruas, espaço público. A sociedade é extremamente patriarcal, sexista e excludente, e isso se reflete em todo lado. No RAP sinto que posso ouvir e ser ouvida, desde o mais banal ao mais profundo, há lugar para partilha.” Sam é uma das integrantes do coletivo feminino de artistas “HELLAS”, que se encontram neste momento em tour, juntando vários nomes do “Matriarcado” musical lusófono, como a premiada voz do R&B Denise, a rapper emergente Neblina entre outras.

Quisemos saber o que diferencia a Samanta pessoa da Muleca Artista “O que dizer. A Sam é minha, já a Muleca XIII é mais do mundo, mas são exactamente a mesma pessoa, em constante busca por aprimoramento. A Sam guarda questões que a sociedade não está preparada para conversar, enquanto a Muleca XIII mete essas farpas em rimas que acabam por serem menos desagradáveis do que se fossem ditas em prosa, essa é a verdade, a Muleca é mais fofa.”


PAPO RETO NO RAP DA SAVANA: CÍNTIA (ELA/DELA)

Meteórica, Cíntia explodiu o YouTube com milhões de views nas suas faixas e vídeos com uma atitude descontraída e um posicionamento sexpositive. Ouvi-la é quase um convite sem julgamentos a abraçar a nossa própria autenticidade.

De rimas poderosas presentes nos seus variados êxitos, a também conhecida como Oujeez usa a sua plataforma para promover a aceitação própria, a liberdade sexual e a valorização da individualidade. Confessou ao dezanove que ouviu muito RAP por influência do seu Pai “Tive uma infância onde o meu pai me metia a ouvir os CDs das músicas do Tupac, Notorious BIG e no meio desses clássicos ele mostrava-me sons da Queen Latifah e Lauryn Hill.” A paixão pela música foi crescendo na inspiração que encontrava em determinados artistas como Carla Prata. Recentemente fez parte das Guerrila Girls Cipher ao lado de grandes nomes do Hip Hop como Blaya, Muleca XIII, Dama Bete, Carla Prata e Eva Rap Diva actuando no festival Sumol Summer Fest. 

Questionada acerca da luta das mulheres na música no universo do RAP não teve dúvidas “Realmente as mulheres precisam de mais oportunidades, ser introduzidas em projectos grandes com o nosso nome como artistas e não apenas convites, ter voz, quanto mais lutarmos por esse lugar mais depressa chegaremos.” Em Grana é possível constatar que Drip e Flow são características que deixam o seu público vidrado em tudo o que produz ao mesmo tempo que assume a sua sexualidade de uma forma bastante natural “Escrevo sobre mulheres e do quanto curto de estar com elas daí saem os meus hits. Acho que dá para reparar na minha escrita, sinto-me confortável e confiante, tendo essa responsabilidade represento-a bem sendo eu mesma.”  

 

Texto: Filipe Lima

Entrevistas: Filipe Lima

Fotos: Dr, Major Tom, Youtube

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