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Nem na mata se encontram histórias assim

"História da Violência" de Édouard Louis

eduard louis

E pronto, algumas horas depois daquilo a que a cópia da minha queixa, que ainda guardo dobrada em quatro numa gaveta, chama “tentativa de homicídio”, saí de casa e desci as escadas.” A apatia com que Édouard Louis nos introduz a sua segunda obra, História da Violência, mostra certamente o pendor irónico e sarcástico com que o autor enfrenta o episódio de violência física, psicológica e sexual que fora exposto, durante e após aquela noite de Natal de 2012, uma noite que para além de quase o matar mostrara irremediavelmente marcar a sua vida.

Para quem já conhece Édouard Louis por “Eddy Bellegueule” ou “Quem Matou o Meu Pai”, certamente que não precisa de especiais introduções ao autor e obra. Estando já familiarizado com o carácter biográfico, político e sensibilidade de uma escrita comprometida com as desvantagens geradas pelo preconceito e discriminação homofóbica, de classe e raça, reconhece-lhe o epíteto de um dos mais estimulantes jovens romancistas europeus. Talvez por falar na primeira pessoa, por narrar as suas próprias experiências e adversidades, como foi a de crescer numa das regiões mais pobres de França, minada pelo preconceito homofóbico e racista, do seu esforço para ascender socialmente numa Paris tanto burguesa como desigual, que Édouard Louis consegue a proeza de trazer para a literatura francesa e internacional uma consciência social tantas vezes fica esquecida ou remetida à invisibilidade pelo desconforto que gera. 

Desconforto e inquietação que, quer pela forma como pelo conteúdo exposto, História da Violência não nos deixa esquecer. Trazendo a polémica da violência sexual entre homens, a partir de um encontro às cegas com Reda, um homem cabila de origem argelina que provocara a solidão e desejo sexual do autor naquela fria noite de Dezembro, do sentimento de culpa e justificação da violência infligida por Reda após uma aparente casual noite de amor, da consecutiva necessidade de repetir e contrapor os factos por si vividos com os demais intervenientes apresentados no livro, encontramos neste texto a desprotecção e incredibilidade que pessoas vítimas de violência ou assédio sexual são sujeitas, especialmente quando fragilizadas socialmente pelo seu género, classe, raça ou sexualidade.  

Dedicando esta obra ao seu amigo Geoffroy Lagasnerie, autor de “O meu corpo, este desejo, esta lei: reflexões sobre a política da sexualidade”, recorda-nos a necessidade de falar sobre a agressão sexual para a perceber. Recorda-nos também da necessidade de respeito pela vítima, do seu tempo e predisposição em narrar os traumas vividos, pelos constrangimentos infligidos a quem é alvo de assédio e/ou violência sexual, da linguagem utilizada e transposição de relatórios policiais que não traduzem a realidade da vítima, assim como da linguagem desajustada e preconceito homofóbico e racista em certos ambientes de força policial como os aqui descritos.

História da Violência, mais do que uma obra autobiográfica, mostra em si um forte pendor político e social.

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.

 

Editor: Elsinore

Ano: 2019

192 páginas, formato 156 x 234x 10 mm

ISBN 9789896686734

PVP: 16,59€