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Nos últimos anos assistimos a um aumento na facilidade com que as pessoas falam acerca da sua saúde mental. Sem dúvida alguma, isso constitui um enorme avanço na forma como aceitamos a neurodiversidade alheia (e também a nossa), e permite-nos interagir com os outros de uma forma mais empática e que toma em consideração os sacos invisíveis que carregamos connosco.

 

Contudo, a falta de uma verdadeira democratização no acesso a cuidados de saúde mental nos serviços nacionais de saúde um pouco por toda a parte, cria uma procura por ajuda a este nível por parte de pessoas que ouvem falar em patologias do foro psiquiátrico e se identificam com essas patologias, porém não conseguem aceder à ajuda da qual necessitam nos serviços públicos ou privados. 

Como existem poucas coisas no mundo mais certas que a lei da oferta e da procura, este conjunto de circunstâncias levou a uma verdadeira infestação nas redes sociais de life-coaches, terapeutas de Instagram, gurus de cura, etc. Seja em Portugal ou no estrangeiro, estas pessoas são na sua grande maioria brancas, privilegiadas, bonitas, bem iluminadas e todas montadas, e têm invariavelmente a mania que os dois meses de psicoterapia que fizeram lhes conferiram um grau milagroso de iluminação acerca de todas as formas de sofrimento mental da espécie humana e que, por isso, têm agora habilitações para dar terapia às outras pessoas.

Basta ver uma ou duas destas contas e é todo um chorrilho de “eus autênticos”, “processos de cura”, “cura empoderada”, “empoderamento na voz”, “manifestação ao universo”, e um par de coisas com a palavra “quântico” atarrachada que é para a coisa parecer minimamente científica e legítima. Tudo isto é nauseante e, na minha opinião enquanto paciente de Psicologia e Psiquiatria, faz mais mal do que bem. 

A saúde mental e a psicoterapia são áreas vastíssimas e complicadíssimas. Afinal de contas, tratam de coisas como biodisponibilidade de neurotransmissores, caminhos neurais e respectivo re-estabelecimento, etc.. Por esse mesmo motivo, e no caso das pessoas que necessitam de acompanhamento, mas que se vêm privadas do acesso a soluções efectivamente lícitas, sobra-lhes um sem número de contas de Instagram de betas de Cascais a dizer que todos os seus problemas podem ser resolvidos com meditação, viver no presente e escutar o instinto para empoderar a cura.

Começam a ver o problema, certo? Para cada Rosarinho à caça de uns milhares de likes e de virar embaixadora da Prozis, há imensas pessoas a precisar de ajuda que, no seu desespero, se viram para esta espécie de Lenas das Cartas da auto-ajuda. A emenda resulta normalmente pior que o soneto porque no caso de pessoas que já estão perdidas no labirinto da própria mente, a auto-escuta que estes gurus promovem faz com que estas pessoas se voltem ainda mais para dentro de si mesmas e prestem ainda mais atenção à cacofonia de ânsias, medos e pensamentos intrusivos. É assustador, não é?

Para os casos que não sejam talvez tão problemáticos, estas Quase-Igrejas-Evangélicas-Do-Bem-Estar-e-dos-Óleos-Essenciais, providenciam toda a recarga narcisista que uma pessoa perdida de amores consigo mesmo possa precisar. Afinal, o que é que um narcisista pode querer mais do que ouvir “O teu Eu-Autêntico tem todas as respostas que necessitas”? É a galinha dos ovos de ouro de validação do solipsismo destas admiráveis criaturas.

O nosso Mundo neste momento é um lugar um bocado merdoso: pandemias, assistirmos todos os dias a notícias que mostram como as costuras que mantêm a nossa Sociedade coesa estão a rebentar umas atrás das outras, o clima a mudar com uma velocidade vertiginosa, Guerra atrás de Guerra, a Maria Vieira a dizer que vai ser recordada como uma das maiores actrizes portuguesas de sempre… Estamos efectivamente a viver dentro dum episódio do Black Mirror e as pessoas estão a dar o tilt. Eu dei o tilt, mas felizmente tive capacidade de conseguir os cuidados médicos que necessitava.

Como é que resolvemos isto para as pessoas que não essa capacidade, então? A solução drástica (e impossível), seria a Meta começar a proibir divulgação de informação médica em contas de redes sociais sem qualificações médicas ou, como fizeram durante a pandemia, incluir um link para artigos acerca de saúde mental automaticamente em cada publicação acerca desse tema. No entanto, como pudemos ver com os “Médicos pela verdade”, ser formado em medicina não impede a estupidez.

Como pudemos ver com os “Médicos pela verdade”, ser formado em medicina não impede a estupidez.

O que é que podemos fazer? Em primeiro lugar, comecem a perguntar mais vezes aos vossos amigos e amigas e como é que se sentem. Mas perguntem a sério e com interesse. Não aquele “Olá, meu querido! Tudo bem?” de saída à noite no Bairro Alto sem qualquer interesse em saber efectivamente como é que aquela pessoa se sente. Importem-se genuinamente com as pessoas e façam-nas perceber que se importam. Cada amigo que desabafa connosco é uma alma salva da “Francisca Sansão e Cunha - mentora & CEO da Empoderamento, Expansão e Tantra com Cristais”.

Importem-se genuinamente com as pessoas e façam-nas perceber que se importam.

Em segundo lugar, se seguem alguma conta cujo conteúdo se assemelha vagamente a isto, deixem de seguir. Garanto-vos que a Isaurinha dos Florais de Bach não vai passar fome quando a Prozis deixar de lhe mandar barritas.

 

R. J. Ripley