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Keyla Brasil - Say their names!

Joacine Katar Moreira

"Say their names", clamou há tempos o movimento anti-racista nos EUA, porque era preciso humanizar, identificar e reconhecer o sujeito negro alvo de todas as violências históricas e agora, vítima diária mortal às mãos do Estado naquele país.

 

Por isso, todos os textos sobre a ocupação do palco do teatro São Luiz e da interrupção da peça "Tudo sobre a minha mãe", deveriam ter como título o nome de Keyla Brasil, porque teve um nome, cara, corpo e história que enfrentou a besta ali, à frente do mundo. A besta da exclusão premeditada e normalizada, mas também a besta que cumpre agendas, financeiras e outras, de pensar que o mínimo da representatividade é o máximo que se pode oferecer. Não foi somente uma atriz, prostituta e travesti que subiu ao palco, como a mesma se apresentou, mas toda uma história de violência, opressão, silenciamento e invisibilização que as pessoas trans viveram e vivem quotidianamente. Repito, quotidianamente. Mas foi Keyla Brasil quem segurou o fogo e sozinha - como deve ser deixada tantas vezes no domínio da heteronormatividade branca - veio dar-nos uma lição de respeito e de democracia. E de igualdade. Mas o nome de Keyla deve ser dito e escrito sempre e em título porque sabemos como funciona o Portugal estrutural. Quem abre a porta nunca é quem ocupa o lugar. Quem segura com o corpo as balas e as palavras ásperas e duras do ódio e da transfobia - nesse caso - mesmo quando consegue induzir mudanças é afastada, invisibilizada e ostracizada porque podia ter feito diferente e deveria ter feito melhor, por vezes junto de membros da mesma comunidade. Keyla deu trabalho a Maria João Vaz mas continuou sem ele. O que mudará agora na vida de Keyla Brasil, depois deste protesto por todes? Keyla pediu 3 minutos do nosso tempo. Um tempo que pode mudar o mundo e uma história secular de abusos e exclusão normalizados pelas nossas sociedades e por todes nós. A maioria de nós respondeu-lhe que no mundo da representação a liberdade criativa de poder-se mudar de pele, de papel e de género faz parte e não pode ser quebrada; que foi totalitarismo e identitarismo o que fez e que foi nua para o palco, mandou um ator sair de lá de cima e disse que era prostituta. Nestes três minutos, Keyla Brasil fez ecoar no dourado de São Luiz, o cinismo e a violência que enreda a postura de muites daqueles e daquelas que podem decidir e fazer mudar o curso das coisas. Fez-nos ler e ouvir tentativas de esvaziamento do seu protesto, ditas com a calma tranquila de quem não vive com armas apontadas à cabeça por falta de opções e reconhecimento, de que está errada e de que esta sua é uma forma errada de lutar. Acontece que a representatividade salva vidas e muda a sociedade para melhor. E a representatividade trans é urgente e necessária. E a cultura, sempre à frente da academia e de todas as outras áreas da nossa vida, terá de dar o exemplo novamente. Algo de bom estará o teatro São Luiz a fazer para voltar a ser palco e berço de novos ventos e mudanças que se estendem a toda a sociedade. E agradeço pessoalmente à atitude de mudança de elenco reclamado por Keyla e à abertura de quem lhe concedeu os minutos de tempo que pediu para mudar para sempre este país. Agora, temos de citar, proteger, incluir e dignificar o protesto e o legado de Keyla Brasil!

 

Joacine Katar Moreira

 

(fotografias tiradas da página de Facebook de Keyla Brasil e prints de vídeo publicado por várias páginas).