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Linn da Quebrada “em carne viva”

 

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"Baseado em carne viva e factos reais

É o sangue dos meus que escorre pelas marginais"

Esta é uma das frases que Linn da Quebrada trouxe a Lisboa esta sexta-feira, 2 de Março, (e uma frase que me fala muito, pessoalmente) na sua Trava Tour Europeia, onde nos apresenta, ao vivo, o álbum “Pajubá”.

 

Depois de alguma espera acompanhada por outros artistas como Mykki Blanco e Conan Osiris, que moveram o público para uma atmosfera que exaltou a excitação já existente em cada pessoa por assistir ao concerto de Linn, todo o espaço do Aquário da Galeria Zé dos Bois é ocupado por talento: talento que toma controlo não só da estrutura arquitectónica através da introdução de "(Muito +) Talento", mas também de todos os corpos, através dos olhos, no momento em que Jup do Bairro e Linn da Quebrada entram em palco numa performance ritualística.

 

"(Muito +) Talento"

E logo desde esse primeiro momento elas fizeram aquilo que vieram para fazer: magia. Um líquido sugestivo de esperma que escorria através de um dildo foi consumido pelas artistas e dado a consumir à audiência, uma performance que fez explodir gritos uníssonos do público e que levanta logo várias questões: como se pratica uma sexualidade num corpo dissidente? a que tipos de acesso público, privado e erótico é que esses corpos têm direito? de que forma é que se desconstrói e subverte as noções de prazer impostas pelo patriarcado que são estruturalmente focadas no falo? e entre outras...

Segue-se o concerto: música puxa música, performance puxa performance. O público, a sua grande maioria ao rubro e com algumas pessoas sem noção do que estão a assistir, a sua maioria portuguesa, a sua maioria branca, segue para aquilo do qual não está à espera. A verdadeira magia existente em Linn da Quebrada é a capacidade potente de dar chapadas de luva branca a quem a esteja a ouvir e/ou assistir. E para o público de Lisboa isso não seria excepção.

Foi então que nos chega aquilo que considero o momento mais alto da noite. O que Linn nos trouxe foi, na verdade, aquilo que Portugal tem estado a ignorar conscientemente ao longo de décadas e décadas como tema tabu: o colonialismo. É que, de forma muito simples, Linn faz referência à música da MC Carol e diz-nos, sem rodeios, que "Nada contra ti // Não me leve a mal // Quem descobriu Brasil // Não foi Cabral". E eu, ali na primeira fila (porque não nasci para menos), tentando estar consciente da minha posição de privilégio em relação aos corpos que estão no palco, fico com dois pensamentos a ocupar-me a cabeça: o primeiro sendo "Será que a maior parte destas pessoas que está a gritar ao ouvir isto se toca sequer quanto ao que esta quadra significa em relação a si próprias?", e o segundo, "espero genuinamente que, dado o contexto, isto não esteja a ser um exercício emocional demasiado taxativo para elas (Linn e Jup)".

 

“Quem descobriu o brazeel, hein Lisboa ??!”

 

O que me traz directamente ao ponto final. A importância deste projecto musical não é atribuída à toa, da mesma forma que a citação inicial deste texto não é também: como Linn da Quebrada nos conta no final do concerto, o projecto Linn da Quebrada é uma forma de sobrevivência, uma forma de resistir materialmente e politicamente às ditaduras invisíveis, amarras sociais e imposições coercivas no que toca a género, sexualidade, sexo, raça e tantas outras questões que no fim se revelam interligadas entre si de uma forma interseccional.

Acrescento também que achei muito importante o acaso político de a data deste concerto quase coincidir com os 12 anos do assassinato de Gisberta no Porto que, para quem a memória decidiu apagar, foi uma mulher trans imigrante brasileira em Portugal que vivia uma precarização monetária e política extrema, uma mulher VIH+, trabalhadora do sexo que, não tendo onde viver, se alojava no antigo edifício Pão de Açúcar onde foi violentada de diversas formas durante três dias até à morte.

E é por estas pessoas, destas pessoas e para estas pessoas que o projecto Linn da Quebrada existe. É, como o público foi informado, um projecto de resistência "Baseado em carne viva e factos reais" que visa falar sobre "o sangue dos meus que escorre pelas marginais". E é, também por isso, que precisamos deste tipo de artistas, movimentos e políticas em Portugal.

Para finalizar, e para mostrar como o concerto foi 10/10 desde a política à arte, o público simplesmente não as deixou sair do palco: chegando o fim do concerto, assim que saíram do palco, o público começou a implorar por mais uma canção, nomeadamente "Bixa Preta", gritando o título da canção em uníssono repetidamente. Conseguiram que elas voltassem, satisfazendo o seu desejo, terminando com os seus tiros e mantos de coragem.

 

 

Bruno Cadinha