Em 1996, estava eu na flor da minha juventude, a transição da escola secundária para a universidade desdobrava-se perante mim. As ondas das rádios eram dominadas por melodias de Nirvana, REM e Pedro Abrunhosa, cujo álbum “Viagens” de 1994 ainda ressoava nos meus ouvidos. Do outro lado do Atlântico, emergiram outras sonoridades em língua portuguesa, impregnadas de humor e crítica social, que me tocavam profundamente, em sintonia com aquele tempo de esperança e uma ânsia voraz de descobrir o mundo e alargar os meus horizontes.
Entre essas novas vozes, o álbum dos Mamonas Assassinas, lançado em 1995, destacava-se como uma das experiências auditivas mais extraordinárias que eu tive. A sua singularidade só encontrava paralelo nos Ena Pá 2000, cujas músicas como “Puta” e “Bacamarte”, do álbum “És linda”, de 1994, que marcaram essa época da minha vida, com ousadia lírica e sonora.
O novo filme sobre os Mamonas Assassinas, que estreou recentemente no Festival de Língua Portuguesa FESTin, no dia 2 de Maio de 2024, traz uma viva recriação do ambiente político e social de meados dos anos 90, tempo da minha juventude. Este período marcou uma geração presa entre as expectativas dos pais, revolucionários ou conservadores, e os jovens sem rumo, ansiosos pelo impacto iminente da revolução digital.
O filme retrata a história de cinco jovens talentosos da cidade de Guarulhos que, contra todas as probabilidades, se transformaram no maior fenómeno musical de todos os tempos no Brasil: os Mamonas Assassinas. Em um arco de apenas oito meses, o grupo conquistou vários discos de ouro e de platina e realizou centenas de espectáculos por todo o Brasil.
Os momentos de humor e crítica social, tão característicos das músicas dos Mamonas, como “Pelados em Santos”, “Robocop Gay” e “Vira-Vira”, um vira inspirado em Roberto Leal, são habilmente intercalados com a trajectória de sucesso e o trágico acidente aéreo que ceifou suas vidas abruptamente. Este acidente ocorreu quando regressavam de Brasília, após o que seria o último show da banda.
O filme não documenta apenas o sucesso estrondoso do grupo, mas também serve como um espelho para a juventude da época, destacando as tentativas e erros de uma geração que buscava seu lugar ao sol, num Brasil repleto de desafios e oportunidades. A narrativa emociona ao mostrar a vida vibrante e os sonhos caóticos de Dinho, Júlio Rasec, Samuel Reoli, Bento Hinoto e Sérgio Reoli, oferecendo uma reflexão profunda sobre o esforço necessário para se sair da precariedade.
“Mamonas Assassinas” não é apenas um filme sobre uma banda. É, sobretudo, uma homenagem poética e muito bonita às famílias destes jovens artistas que perseguiram os sonhos com determinação incansável. Há uma parte substancial dedicada à banda Utopia que criou a cama para a criação e aparecimento dos Mamonas, um nome mais forte e mais próximo do que queriam criar. Esta obra é um tributo àquela efémera, mas inesquecível marca que os Mamonas deixaram na cultura brasileira, humanizando uma juventude irreverente e aberta.
Emoção, humor e música transporta-nos por 90 minutos numa produção magistral que promete reviver o espírito irreverente e alegre dos Mamonas Assassinas, garantindo risadas, lágrimas e, acima de tudo, muita reflexão sobre um Brasil que “deu certo” para aqueles jovens de Guarulhos que através do som conseguiram identificação de um jovem como eu de Vila Nova de Gaia.
O filme tem estreia marcada para as salas de cinema de todo o país em Junho. Raios!!! não percam este Vira, Vira.
André Soares
Jornalista e Antropólogo