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Manifesto Contra-Sexual de Paul B. Preciado

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Paul B. Preciado é um dos filósofos feministas que mais tem se destacado nos debates da teoria queer e dos estudos de género deste século. Conhecido pela auto-administração de testosterona ao longo de 236 dias – metáfora política à contestação dos corpos e das sexualidades que permanecem sobe a tutela dos Estados -, publica Testo Yoqui, obra que partiria da sua experiência, enquanto homem trans, para desbravar como as estruturas de poder político e indústrias fármaco-pornográficas influenciam as experiências individuais e como se vive e constrói o corpo. 

Entre as suas obras mais famosas destaca-se Manifesto Contra-sexual. Um manifesto que sendo publicado pela primeira vez em França, anos 2000, se difundiria como uma das principais referências dos estudos Queer e estudos de género. Chega a Portugal em 2015, pela tradução de três activistas, Helena Lopes Braga, Salomé Honório e Pê Feijó, sendo mais recentemente editada pela Orfeu Negro, em 2019, com um prefácio entreposto à realidade portuguesa.

Nesta edição, o activista e investigador Pê Feijó, preambula a natureza performativa, provocativa e imperfeita do texto, inserindo-o quer nas fronteiras da teoria Queer, do ensaio filosófico como das práticas biográficas trans de Preciado. Um livro descrito como “uma experiência”, “um livro sobre dildos, próteses e genitais de plástico, sobre a plasticidade sexual e de género” e, que por esse motivo, desconsiderado das técnicas científicas, atribui-lhe especial valor. No entanto, não se esquece a evidente influência da filosofia pós-estruturalista no pensamento contra-sexual de Preciado. Entre os dispositivos sexuais de Michel Foucault, da heterossexualidade enquanto regime político de Monique Wittig, da identidade performativa de Judith Butler ou da política do ciborgue de Donna Haraway, são apenas alguns dos contributos teórico-epistemológicos que irão construir e robustecer o manifesto até aos últimos capítulos. 

Mas, perguntamo-nos, o que é o Manifesto Contra-sexual? O que é a contra-sexualidade? Qual é, afinal, a sua pertinência?

O contributo deste texto para os estudos feministas, estudos de género e para a teoria Queer, mostra ser inegável, não só pela crítica à naturalização das práticas sexuais e do sistema de género, como proclama a equivalência (e não a igualdade) da multiplicidade infindável de corpos que se dedicam à busca do “prazer-saber”.

Influenciado por Michel Foucault, o termo “contra-sexualidade” fala-nos da produção de formas de “prazer-saber” alternativas às disciplinas do regime sexual moderno - cis-heteronormativo.  Rejeitando o género como consequência do sexo, a contra-sexualidade crítica não só a naturalização dos órgãos reprodutores como órgãos específicos de actividade sexual, em detrimento de outros suprimidos da possibilidade de prazer sexual, como nos revela como a História da sexualidade e repressão da sexualidade anda de mãos dadas com a história da produção capitalista.

Opondo-se às teses biológicas e essencialistas radicais que legitimam a sujeição de uns corpos a outros, o manifesto contra-sexual propõe um novo contrato social. Um contrato social que desnaturalize a sexualidade, oferecendo a possibilidade de inventar outras sexualidades, outros regimes de desejo e de produção de prazer. Neste caminho, Preciado recorre ao dildo enquanto prática contra-sexual para mostrar a plasticidade do sistema sexo/género e como os corpos masculinos e femininos, que interpretamos como “naturais” tem sido alvo de transformação plástica/prostética ao longo dos últimos séculos.

O uso do dildo, parodiando a centralidade do pénis como eixo de significação do prazer-saber heterossexual, torna evidente a existência de outros corpos, outras identidades, possibilidades de reconhecimento e enunciação, divergentes à equação “natureza = heterossexualidade”. Enquanto órgão erógeno externo e móvel, o dildo, mostra como a natureza humana é um efeito de negociação permanente de fronteiras entre corpo e máquina, órgão e prótese, orgânico e plástico, vivo e morto, subvertendo a lógica que o corpo orgânico é o contexto próprio da sexualidade.

Este é um manifesto que reclama contrariar os modelos falocêntricos e patriarcais da sexualidade. Reclamando a visibilidade dos corpos e práticas abjectas, da erotização do ânus às relações de bondage e sadomasoquismo (BDSM), impondo-se ao sistema sexo/género heterossexual dominante, este Manifesto mostra a possibilidade de outros modelos exploratórios da sexualidade e da transformação radical dos corpos, reclamando a interrupção da história da humanidade enquanto naturalização da opressão da diferença sexual.

 

Editor: Orfeu Negro

Ano: 2019

272 páginas, formato 12,3 x 18 cm

ISBN 9789898868626

PVP: 17,00€

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.