Entre eles, uma actriz obcecada com a preservação das preguiças-anãs, um homem que se pinta com luz fluorescente, uma mulher solitária que se dedica a eliminar comentários maliciosos dos obituários escritos online e uma mãe que sente um terror inexplicável ao olhar nos olhos do seu filho bebé. Blandine Earkins, protagonista do romance, aos 18 anos, após uma infância e adolescência marcadas por sucessivas passagens por lares de acolhimento, muda-se para um apartamento partilhado em Vacca Vale. Apesar de jovem, tem um pesado historial de dificuldades, onde se enquadra uma paixão que a levou a abandonar os estudos — algo inesperado para alguém de inteligência reconhecida. Sem presença nas redes sociais, mas com um interesse profundo por narrativas místicas, Blandine é, sem dúvida, a personagem mais complexa do livro. A sua resistência ao projecto de revitalização da cidade parece resultar da sua consciência de que, se a cidade renascer, perderá a última razão para manter a paralisia em que se encontra a sua vida. 

A estagnação da cidade produz impacto também em todos os outros habitantes, que, por sua vez, alimentam a decadência do próprio espaço. Existe, assim, uma contaminação mútua entre a ruína de Vacca Vale e as frustrações e desilusões dos seus moradores. 

Através das histórias da cidade e dos seus moradores, a autora explora a complexidade da vida humana, abordando temas como as cidades pós-industriais, a saúde mental, as expectativas em torno da maternidade, os efeitos da fama ou a alienação da vida moderna. 

Romance de estreia de Tess Gunty, O Contrário de Nada foi distinguido com vários prémios no seu país de origem. Em Portugal, foi eleito um dos melhores livros de 2024 pelo jornal Público. Recomendo a sua leitura, especialmente a quem se interessa pela análise da sociedade contemporânea e pelos desafios das relações humanas na actualidade. 

Daniela Alves Ferreira