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O insulto não se vence com insulto 

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A corda tem dois lados. A corda é a medida da força. As mãos seguram a corda com força. As mãos não a largam. Agarram-se a ela, como quem se agarra a um último suspiro de vida. De um lado estão eles. Do outro estamos nós. Os pés tropeçam em pés, que as mãos seguram. Vamos cair. Aqui ninguém cai. Não te deixo cair. Os corpos são esticados. As costas são curvas. Os braços são linhas estilizadas no ar. 

 

Do outro lado estão eles. Eles, essa massa invisível de gente que nos atormenta a existência. Eles, essas vozes que gritam que somos menos, que não podemos. Eles, essas mãos que nos colam etiquetas na testa. Para eles, somos as sobras no prato. Para eles, somos a camisola rasgada ao fundo da gaveta. Para eles, somos o papel amassado, que alguém deixou cair na rua e nem se digna a apanhar, para deitar ao lixo. 

Para eles, somos a camisola rasgada ao fundo da gaveta. Para eles, somos o papel amassado, que alguém deixou cair na rua e nem se digna a apanhar, para deitar ao lixo. 

Deste lado estamos nós. Nós, que lhes dizemos que não somos uma massa, somos pessoas. Nós, que não os queremos ver como uma massa, mas como pessoas. Nós, que todos os dias arrancamos os rótulos colados na fronte. Nós, que há anos tentamos equilibrar a corda para não cairmos. Nós, que não queremos voltar a viver na vergonha de existir. Nós, que dizemos os nossos nomes.  Paneleiro. Disse ele. Paneleiro. Pedro. Chamo-me Pedro. O que é que ele disse? Paneleiro. Disse ele. Paneleiro. 

Paneleiro (pa·ne·lei·ro), nome masculino

  1. [Portugal: Beira] Fabricante ou vendedor de panelas.
  2. [Portugal, Calão, Depreciativo] Homem homossexual. = Bicha, Larilas, Maricas, Panasca

Eles, essa massa invisível de gente que não se dão a conhecer. Eles, que acreditam que um insulto anula a nossa existência. Eles, de vendas nos olhos, que não ouvem as nossas vozes. Gay. O que é que tu lhe chamaste? Gay. Porque é que estás a chamar gay a alguém que é homofóbico? É essa a tua arma? Disparas balas tuas na tentativa de os ferir? Usas a tua existência como forma de insulto? Rasga esse dicionário. Estás a insultar-nos a nós. Assim, só estamos do outro lado da mesma corda. Não queremos vencer. Queremos existir. Assim, nós somos eles. O insulto não é uma arma. Isto não é uma guerra. 

O insulto não é uma arma. Isto não é uma guerra. 

Eles são pessoas. Nós somos pessoas. Pedro. Chamo-me Pedro. Não vos odeio. Não vos insulto. Quero saber os vossos nomes. Digam os nossos nomes. Pedro. Chamo-me Pedro. O ódio não se vence com ódio. O insulto não se vence com insulto. Pedro. Chamo-me Pedro. Jogo com vocês o jogo da corda. Mas não a uso para vencer. O insulto não é uma arma. Isto não é uma guerra. Pedro. Chamo-me Pedro. Pedro. Chamo-me Pedro.

 

Peter Pina

 

"paneleiro", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/paneleiro. Um agradecimento especial pelas definições. 

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