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O meu género é fluído e o teu? 

rafaela jacinto

Não vou começar este texto a dizer que pensei muito antes de o escrever, pretendo ser eficaz. Reparem que usei a palavra eficaz, embora me tivesse ocorrido usar: ser concreto. 

Usei o pronome masculino para me referir a mim mesmo, às vezes acontece. À pergunta, és menino ou menina? Tenho  respondido, às vezes. Vamos ao essencial, este texto serve uma urgência, dar a conhecer a minha experiência enquanto pessoa de género fluído, uma identidade de género que se define por: 

“Pessoas cujas identidades de género passam por mudanças de tempos em tempos. As  mudanças podem ser graduais ou súbitas, constantes ou inconstantes, diárias, semanais, mensais,  semestrais, anuais, bianuais, em intervalos de tempo aleatórios, etc. Entre géneros definidos e/ou  indefinidos e influenciadas (por questões como ciclo hormonal, crises, clima, pessoas em volta,  etc.) ou não.”1 

Cresci a achar que algo de errado se passava comigo, por vezes sentia-me menino, apresentava-me  como tal, imaginava-me o príncipe dos contos infantis embora a minha mãe me tivesse lido Irmãos  Grimm e não Disney (E onde estão os príncipes com síndrome de Deus, não é?) e por outras sentia me menina. Assumia a postura de menino solitário e sempre que estava na presença de uma menina agradável queria ser namorado dela, subitamente transformava-me numa peste quieta que devorava  livros ou numa menina feroz e curiosa – queria pintar as unhas e pertencer a uma girl’s band. 

A minha liberdade começou quando me abracei com gentileza e aceitação.

À medida do crescimento, debati-me com alguma disforia, a roupa nem sempre era do meu agrado:  ”No que é que estava a pensar, quando usei este vestido ontem? Quando me maquilhei?” Sentia-me  estranho, sentia-me estranha, estranhe. Tive a sorte de ter relações românticas com pessoas que  acolheram com curiosidade e encantamento as minhas mudanças diárias e/ou semanais – os meus  gestos largos e femininos na minha roupa masculina… Barbie boy ou apenas Barbie, o vocabulário  pode salvar vidas, as palavras salvam e viver uma vida livre das expectativas de outres também. Os  clichés nascem de uma verdade, discutível, mas a minha liberdade começou quando me abracei com gentileza e aceitação. No meu caso não é o clima – é a segurança que sinto com as pessoas que tem a sensibilidade necessária para me ver e que não me amam menos pela minha complexidade, todos  os dias da minha vida. 

 

Rafaela Jacinto, 2023 

 

1 https://orientando.org/listas/lista-de-generos/genero-fluido/

Foto: Rose Richards.