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O modelo heteronormativo e a maternidade compulsória

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Desde cedo as pessoas são encaminhadas para  um modelo de vida que inclua um casamento (com uma pessoa de sexo diferente)  e filhos.

A felicidade deverá girar em torno deste modelo e, no caso das mulheres, o papel de esposas e mães quase se confunde com o seu propósito de vida. São séculos de história a remeterem-nos para o papel social da reprodução e da domesticidade. Não obstante esse peso,  o modelo heteronormativo tem vindo a sofrer alterações. 

As lutas feminista e o activismo LGBT contribuiram para que hoje possamos ter um casamento mais igualitário entre cônjuges, não só nas leis, mas também nas práticas. Existe uma maior partilha das tarefas domésticas e familiares entre homens e mulheres. É aceite socialmente a vivência conjugal sem recurso ao casamento. Há cada vez mais pessoas que optam por viver as suas relações afectivo-sexuais sem viver em conjugalidade. E, finalmente, talvez a maior abanão no modelo hetero-normativo, podemos casar com uma pessoa do mesmo sexo.

Em relação à reprodução, com a massificação dos métodos contraceptivos, o número de filhos por mulher diminuiu significativamente. Essa redução permitiu a entrada das mulheres no mercado de trabalho, libertando-as da domesticidade e garantindo a sua independência financeira face aos maridos e companheiros. Há também um crescente número de mulheres que opta por não ter filhos. 

Apesar das mudanças na dimensão da reprodução, a pressão sobre a mulher para ser  mãe ainda continua intensa. As bonecas, biberões, carrinhos de bebés que nos oferecem desde cedo. A representação constante da mulher-mãe na publicidade e nos filmes. As perguntas dos pais sobre quando chegam os netos. Os apelos recorrentes à natalidade, apesar do aumento da população mundial e a diminuição dos recursos do planeta, feitos pelos governos. São várias as pressões externas para encaminhar a mulher para o dever social da reprodução. As lésbicas, enquanto mulheres, também estão sujeitas a esta pressão. Na vida adulta é comum cruzar-nos com mulheres lésbicas que pretendem ter filhos, outras que já os têm, fruto de relações passadas com homens, de produções independentes ou em casal com outra mulher.

Apesar das mudanças na dimensão da reprodução, a pressão sobre a mulher para ser  mãe ainda continua intensa.

Sempre rejeitei o modelo heteronormativo do casamento com filhos e o casamento com um homem nunca chegou a ser ponderado como hipótese na minha vida. Em relação à maternidade não tinha uma oposição tão visceral, mas sempre me foi um pouco indiferente. No entanto, com cerca de 30 anos,  por possivelmente ser a fase em que uma mulher começa o declínio da capacidade reprodutiva, fiz a minha reflexão.

Tendo nascido numa família de várias mulheres, cedo me apercebi do que significava na vida de uma mulher ser mãe. Choros, birras,  horas sem dormir. despertares cedo ao fim-de-semana. Banhos, fraldas,  alimentação a horas, idas e vindas da escola,  médicos, gastos financeiros e desgaste mental. A dependência da criança em relação à mãe é enorme e toda a sua vida passa a girar em torno da criança. Quando a dedicação é total, as outras esferas da vida passam para segundo plano. O investimento na vida profissional diminui  e isso implica muitas vezes remeter a mulher para trabalhos precários e/ou mal pagos. A vida sentimental perde dedicação,  pois a criança ocupa as horas do dia e quase toda a dedicação emocional. Uma noite tórrida de amor depois de um dia extenuante de cuidado é pouco provável que aconteça. O lazer (idas ao teatro, ao  cinema, viagens) passa a ser uma miragem, a não ser que se tenha um grande rede de apoio e algum desprendimento da criança.

A consciência do que implica uma criança ou adolescente no dia a dia de uma pessoa fez com que optasse pela não maternidade. É certo que se diz que o retorno emocional que um filho pode dar compensa todo este trabalho, mas quando as nossas rotinas estão cheias de coisas que nos preenchem, não sentimos essa necessidade. Podemos encontrar gratificação noutras áreas da vida  e sentir satisfação emocional mesmo não existindo filhos.

Não questiono a validade da opção pela maternidade, mas acho de extrema importância que seja uma escolha consciente e reflectida. Estamos mesmo conscientes da forma como um filho condiciona o nosso dia-a-dia? Será que um eventual retorno emocional compensa as cedências que teremos de fazer? Não existirão outras formas de compensação emocional menos desgastantes? Não será o desejo pela maternidade condicionado essencialmente pelas pressões externas? Se questionamos a imposição social da heterossexualidade, não devemos também questionar a imposição da maternidade?

Feitas estas reflexões, teremos escolhas mais conscientes. adultos e crianças mais felizes, uma sociedade mais saudável e um planeta mais equilibrado.

 

Daniela Alves Ferreira