a saber

O que podíamos ganhar em ter o Orgulho LGBT de Lisboa numa só data?

Ainda não é este ano que a Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa e o Arraial Pride voltam a decorrer no mesmo dia. Há uma semana, a associação responsável pelo Arraial divulgou no Facebook a data com a imagem, mas limitou-se a isso. Não há um programa, nem sequer a antecedência necessária para se divulgar um evento desta importância a todos os potenciais interessados, que estão muito para além de um círculo restrito ligado ao associativismo. São pessoas de diferentes cidades de Portugal, são emigrantes portugueses no estrangeiro e são também turistas que não encontram informação fidedigna acerca do Pride de Lisboa com a antecedência que lhes permita marcar férias. Isto não acontece com outras celebrações do Orgulho em qualquer capital europeia.

Só em Abril o dezanove descobriu qual a data do Arraial Pride em 2015. Qual a razão para tanto secretismo?

Por outro lado, no final de Março as organizações que compõem a organização da Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa faziam saber que a data da Marcha seria a 20 de Junho.

Como é que é possível que não se queira que a Marcha e o Arraial se realizem no mesmo dia? Não é quase unânime que queremos celebrar este evento de uma forma conjunta? Dadas as boas relações com a Câmara Municipal de Lisboa, um evento desta importância deveria ser anunciado com um ano de antecedência. Se isto for pedir muito… porque não no início de cada ano civil? Porque é que isso não acontece? O que é que isto nos diz sobre o activismo LGBT+ em Portugal? Diz-nos que está a fragmentar-se, quando se deveria unir numa altura em que os Direitos LGBT conquistados são ainda frágeis e volta e meia apanhamos um choque de realidade com episódios de violência ou chumbos de leis. Diz-nos que os múltiplos colectivos não celebram no mesmo dia a diversidade herdada em Stonewall. Diz-nos que preferem perder a oportunidade de juntar nas ruas de Lisboa e numa das praças mais simbólicas do país o Orgulho LGBT. Diz-nos que reivindicação política e social não se coadunam com a vertente comercial. Diz-nos que há quem prefira evitar que mais portugueses e turistas venham a Lisboa nesse dia. Diz-nos que nem sequer há o cuidado em evitar sobreposições de datas de eventos LGBT num país tão pequeno.

Poderia ser tanto o inverso.

Mas vamos tentar perceber o que no passado levou a esta situação. Porque é que a Marcha de Orgulho de Lisboa e o Arraial são em dias diferentes?

Ainda me lembro dos anos em que a Marcha e o Arraial se faziam no mesmo dia. A marcha desfilava na Avenida da Liberdade. Muita gente queixava-se que a Marcha tinha pouca gente por causa do Arraial e vice-versa. A gota de água foi no ano em que o Arraial foi desterrado para o Parque Recreativo do Calhau, no Monsanto, era Pedro Santana Lopes presidente da Câmara Municipal de Lisboa. A organização destes eventos sempre dependeu muito do poder político local, nunca se tornou, na verdade, independente.

Então, era comentado que uma das ideias por detrás da separação dos dois acontecimentos era fazer dessa semana uma Semana do Orgulho, como se Lisboa fosse uma São Francisco, uma São Paulo ou uma Nova Iorque. Lisboa pode vir a ter capacidade para ter uma Semana do Orgulho, mas mesmo nesses casos as cidades não dividem Festa e Marcha. A marcha é o culminar de uma semana de actividades culturais, mas também de inúmeras festas que beneficiam bares – onde a comunidade vai durante todo o ano – e que, espantem-se, se juntam e contribuem para a Marcha ou Gay Parade.

O que poderíamos melhorar?

É, no mínimo, de lamentar que a organização da Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa tenha de oferecer um valor simbólico de 100 euros ao designer que esteja na disposição de criar o cartaz… quando poderia ter à disposição as melhores agências de comunicação e designers de renome, caso pudesse dispor de verbas para tal. Por que razão não vemos todas as associações e colectivos LGBTI representados no Terreiro do Paço com bancas próprias? Não poderia ser também ali um espaço de visibilidade e de angariação de verbas que lhes permitissem crescer? O movimento LGBT ganharia muito mais do que verbas. Ganharia projecção.
Se compararmos Portugal com a Bélgica, vemos que, por exemplo, este fim-de-semana em Bruxelas (a Bélgica tem 11 milhões de habitantes e também permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo) estiveram 80 mil pessoas debaixo de chuva.

E enquanto não há respostas, volto com mais questões.

O que poderia ser o maior evento de reivindicação e celebração do orgulho LGBT em Portugal não o é porque as pessoas que decidem não o querem. Será que as pessoas que decidem continuar a proceder desta forma já ouviram as pessoas? Já viram o que se faz lá fora? Parece-me que se separa as duas coisas de forma fria e calculista: um é para o activismo e o outro é para angariar dinheiro. É certo que há activismo no Terreiro do Paço. Mas é a uma só voz. E deveria ser a de todos.

Sim, a Marcha de Lisboa tem poucas pessoas. Sim, o Arraial Pride podia ter mais gente. O do ano passado foi um desastre com uma vergonhosa homenagem ao António Variações. E assim se perde uma oportunidade de promover os direitos LGBT e o País.

 

Luís Veríssimo, colaborador do dezanove.pt

15 Comentários

  • Pedro Pais

    Quando se dá o poder de se comentar publicamente, cai-se no erro de se criticar fundamentando-se em preconceitos, quando a pessoa é desinformada, mas com porte de especialista, numa opinião superficial e o comentário fica podre, por já vir de outros preconceitos. Maior problemática é a dissiminação de desinformação e pior, estraga-se o trabalho construído.
    Li este artigo de opinião e apercebo-me dos recorrentes “treinadores de bancada”, “políticos de bancada”, “gestores de bancada”… e terminando nos “ativistas de bancada” que existem milhares por aí.
    Luis, não conheço o seu trabalho como ativista, pelo mero aspecto de mostrar a cara num site LGBT, já é algum hoje em dia.
    No entanto, é muito fácil ter-se uma ideia e esparrá-la num site. Criticar, também é muito simples, já preconizava Camões com o velho do Restelo. Mas de facto, quem tem experiência de ativismo sabe, do que realmente é importante capitalizar os recursos humanos quer para o Arraial, quer para a Marcha.
    Se a Marcha e o Arraial funcionam e têm a dimensão que têm em Lisboa, é precisamente porque são muitas das vezes as mesmas pessoas que participam na Marcha as que organizam na preparação do Arraial. Para tal, só é possível ser em datas diferentes. Mera logística!
    Eu como voluntário, prefiro poder aproveitar da Marcha e poder ajudar e participar no Arraial, tenho esse direito. E se fossem no mesmo dia, para a preparação do Arraial, não poderia estar na Marcha. Para além de que, a Marcha é um colectivo, o Arraial é gerido pela ILGA e se fosse colectivo, o Arraial teria outras limitações, como para a gestão, para além de que, comparando países, o apoio às associações LGBT em Portugal não é o mesmo que nos outros países, sei eu de experiência própria, porque já estive nesses países ao abrigo da IGLYO.
    Para o utilizador e comentador comum, que não percebe que para as coisas acontecerem há um esforço enorme dos voluntários por trás, e que para haver dois eventos no mesmo dia, teriam que haver o dobro dos voluntários, apelo que se quer um cenário à S. Francisco, para ajudar na sua parte e fazer parte da elaboração destes eventos, voluntariando-se. Assim, é que realmente as opiniões e sugestões são levadas em conta, não as precisando de divulgar num meio público gerando celeumas, assim é que realmente se vai construindo.

  • JC

    Tenho pena, pois este poderia ser um artigo para reflexão e acabou apenas por ser uma perda de tempo. Quem o escreveu demonstra uma total falta de conhecimento da realidade. Texto pobre, muito pobre mesmo.

  • PCR

    Faltou referir uma coisa: PORQUE NÃO PUBLICA A ILGA AS CONTAS DO ARRAIAL? Como já escreveu a Time Out, é um dos maiores segredos do mundo gay de Portugal

  • Ricardo Duarte

    Concordo plenamente! Subscrevo-me e faço as palavras do Luís as minhas.

  • Filipe Viegas

    Finalmente alguém que faz as mesmas perguntas que me faço à anos. Já somos dois pelo menos.
    Obrigado.
    Filipe

  • Carlos Sá

    Somos três e devemos ser muitos mais.
    São demasiadas perguntas incómodas sem resposta.

  • Rui Silva

    Olá Pedro,

    Eu estou completamente de acordo com o Luis. Lisboa merece um modelo completamente diferente de Pride e, não tenho qualquer dúvida, que isso acontecerá em breve.

    Em relação ao argumento “não pode ser no mesmo dia pq as pessoas são as mesmas”…. – Com todo o respeito, mas que disparate enorme. Nem sei por onde começar para responder a isto, mas sem querer ofender aqui vai um principio de resposta: caro Pedro, bastava organizar bem o dia e distribuir os recursos humanos e claro que é possível organizar uma marcha e uma festa no mesmo dia.

    Mas o argumento apresentado pelo Pedro é curioso, porque diz “somos só nós e não conseguimos fazer as 2 coisas no mesmo dia”, isto ilustra perfeitamente o que está errado com a Marcha e o Arraial. É que são eventos “vossos”. Talvez por isso chame o Luis de “treinador de bancada” já que ele não é um dos “vossos”.

    A ILGA e os “movimentos activistas” (políticos?) são entidades autistas sem qualquer interesse em dar à cidade de Lisboa um evento de Pride de nível internacional. E Pedro, não falo como treinador de bancada, trabalhei directamente no Arraial (portanto lidei com a ILGA) e tenho inúmeros exemplos do seu autismo e completa desconsideração pelos lisboetas e por todos os que visitam Lisboa durante o Pride.

    Gradualmente, a Marcha e o Arraial diminuirão de importância, enquanto que eventos como o Lisbon Bear Pride e outros crescem todos os anos e são até mais reconhecidos internacionalmente que o Arraial/Marcha. Por mim, deveria haver cooperação, mas tanto a ILGA como os movimentos activistas rejeitam colaborar com os “players LGBT” de Lisboa.

    Por isso, este será mais um ano em que o Terreiro do Paço se encherá de barracas (muitas nem sendo LGBT), e de milhares de pessoas, muitas estarão lá por simples acaso. Estas pessoas saberão qual o programa do palco talvez uma semana antes (curioso). Na Marcha teremos os mesmos “activistas” de sempre, que apregoando tolerância são os primeiros a descriminar contra todos que eles considerem “não-activistas”.

    Enfim, daqui a uns anos isto será diferente. (sou um optimista)

  • MariaSa

    ah pois claro no mesmo dia! porque a Marcha e o Arraial simplesmente acontecem, sem ser necessária a intervenção de centenas de pessoas que, durante meses (um ano inteiro, veja lá), preparam esses eventos. é isso? centenas de pessoas de várias organizações LGBT, diga-se. isto porque o luís distrai-se a conjecturar e nem nota que, no Arraial, existem sempre espaços organizados e explorados por várias organizações LGBT (rede ex aequo, GAT, Amplos…) e outras, tanto para angariação de fundos como para divulgação.

    mas claro que seria muito melhor uma Marcha e um Arraial (que funciona das 16h às 4.00) no mesmo dia. então, as pessoas estão em casa, saem, vão marchar e depois arraialar e está tudo lá à espera, tudo prontinho e arranjadinho – não se sabe bem como, não é? é como a eletricidade, basta ligar o interruptor – para quando o luís lhe apetecer chegar.

    e, já agora, podia ser também na data que mais lhe convier, luís, com a antecedência que achar bem para a sua agenda porque a data dos eventos nem está sujeita a autorização e confirmação da CML nem nada.

    muito fácil ser opinador de sofá, não haja dúvida. talvez mais tempo a informar-se ou a fazer alguma coisa de concreto para unir e não dividir do que só a pensar pela sua cabecinha fosse tempo melhor aproveitado, no seu caso, e ficássemos todos a ganhar com isso.

  • PCR

    Activista sofre. Quando o Costa for primeiro-ministro, convençam-no a declarar activista gay profissão de desgaste rápido.

  • Mariana

    MariaSa, Portugal será o único país no mundo que não consegue ter um evento que comece numa marcha e termine numa festa para comemorar o orgulho LGBT?

    Pelos vistos a lavagem cerebral que te estão a fazer está a resultar.

  • grifus

    O arraial e a marcha já foram no mesmo dia! não engulo a resposta ilusória que nos tentam alimentar, as pessoas são as mesmas…Serão?
    Outra coisa é mesmo o facto de politiquice, de protagonismo, de quem organiza o quê e ficar bem na “fotografia”. Os apoios vão claramente para a ILGA que, como referido, gere o Arraial…será mesmo gerir ou controla?? isto porque cobrar X a uma associação para ter lá uma banquinha minuscula com 3X3, uma mesa de plástico, uma cadeira e bem longe de tudo, não é gerir, é humilhar, controlar e pisar essas mesmas associações que lutam pela mesma causa. Cada vez há menos associações ou mesmo negócios LGBT no pride e porque? devido a ganancia da mesma controladora. Ouvir que se prefere investir no pride de Madrid do que no de Lisboa é triste…mas é uma realidade e devido a essa má gestão e núcleo extremamente fechado pela fome de protagonismo, o arraial está a morrer aos poucos. cada vez menos representantes LGBT fazem parte do arraial, em vez disso, temos bares e negocios completamente descontextualizados. Preferem um arraial cheio de negócios que não vão de encontro à causa, do que abdicar de uns euros para permitir que mais causas façam um melhor arraial!! Já lhes devia chegar os dois bares centrais mais o aluguer de todos os stands, com os cartazes de artistas tão fracos que têm vindo a apresentar de ano para ano, não justifica tamanho valor de aluguer. Onde estão, no arraial, os bares de Lisboa? Os restaurantes? as lojas? as associações? projectos de referencia LGBT? são todos escorraçados para fora do domínio do arraial e quem ganha com isto???O publico e a visibilidade LGBT não são de certeza…

  • grifus

    São esses os exemplos de associações que consegue lembrar-se? estranho serem as que estão de certa forma ligadas à ILGA… aquelas que a ILGA não vê como pedra no sapato ou como com politicas contrárias ou como algo que lhe possa tirar o tão querido apoio financeiro ou mesmo partilhá-lo. Espero que a Maria já tenha participado em imensos arraiais e na sua organização, que saiba o que é quase não dormir na noite anterior a juntar material, acordar de madrugada para pegar o material, descarrega-lo no local, montar as coisas, estar das 16h(no minimo) até as 4h no recinto com boa cara e boa disposição para divulgar a causa/negocio/associação/whatever, para depois desmontar tudo, carregar a carrinha, ir ate ao armazém, descarregar tudo e finalmente pelas 9h da manha e depois de duas noites sem dormir, se possam contar os valiosos 40 euros de lucro para suportar um projecto sem apoios nenhuns para além dos que o corpo e a energia permitem. Casos de passar de convidado do Arraial para depois, quando já faz comichao ou têm algo desejado pela organização, passarem para preços impraticáveis para quem faz 40 euros de lucro?
    Ver-se os preços de tudo a subir e a qualidade do evento a descer?? O desprezo para com as outras associações?? isto não é lutar pelo mesmo ou pela igualdade ou pelo respeito da sociedade…como podemos ser levados a sério se dentro do movimento há tamanha desunião e luta por protagonismo?
    Lamento mas de facto a Maria ou fala com as costas quentes ou sem conhecimento de causa.

  • Eduarda Alice Santos

    Há muito, muito tempo, a Marcha e o Arraial eram no mesmo dia, com barraquinhas pertencentes aos vários grupos activistas LGBT existentes. Um belo dia, a ILGA Portugal decidiu começar a cobrar pela participação dos mesmos nas barraquinhas feitas pelos próprios. Considerando que existiam (e existem) grupos que fazem activismo por pura carolice, sem meios monetários, esta posição provocou o afastamento compulsivo desses grupos do Arraial, tornando-o não um Arraial Pride mas mais algo como um Arraial ILGA. E foi assim que o Arraial Pride acabou e o Arraial ILGA Portugal começou. Como a Troika bem exemplifica, money rules.