
Publicado pela primeira vez em 1890, O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, é muito mais do que uma crítica à superficialidade da sociedade vitoriana – é também uma obra que, através das entrelinhas, levanta questões profundas sobre desejo, identidade e repressão num contexto moralista.
A história acompanha Dorian, um jovem descrito como belo e ingénuo, que se deixa corromper pela influência hedonista de Lorde Henry. Ao trocar a alma pela juventude eterna, Dorian mergulha num mundo de prazeres mundanos e em excessos, enquanto o seu retrato envelhece e carrega as marcas da sua decadência moral, fruto da troca.
A relação ambígua entre Dorian, Lorde Henry e Basil Hallward (o artista que pinta o retrato) está repleta de tensão homoerótica e subtexto queer. Embora Wilde tenha sido forçado, naquela época, a esconder explicitamente as nuances homoafectivas, a leitura contemporânea do romance permite reconhecer a profundidade dessas relações e o sofrimento causado por uma sociedade que censura e reprime o amor entre pessoas do mesmo sexo. Daí a sua intemporalidade e relevância, ainda hoje.
A importância de O Retrato de Dorian Gray para a comunidade LGBTQ+ reside exactamente nesse subtexto: Wilde, ele próprio um homem gay condenado por “indecência” anos depois da publicação do livro, usou a literatura como espaço de resistência e expressão codificada. O romance, funciona como um espelho distorcido da hipocrisia moral da época, revelando os custos psicológicos e sociais de viver numa sociedade que obriga à negação da própria identidade.
A obra de Wilde é incontornável dentro do cânone queer. Não só pela sua qualidade literária, mas porque resiste ao tempo como uma crítica mordaz ao culto da aparência e uma defesa velada do direito a amar livremente.
João Faia, responsável pela página @livros.faia no Instagram