Ode aos homens em desconstrução
Há nesta foto vários detalhes que, há uns anos, não achava possível publicar, que vão contra o que construí dentro de mim sobre ser homem e ser masculino.
Cabelo comprido, unhas pintadas, a fazer tricot e de criança no pano em demonstração pública de cuidado.
Não foram só estas coisas que me fui permitindo fazer, à medida que fui desconstruindo os referenciais de masculinidade tóxica que tinha dentro de mim e que me fui afastando de grupos onde essa era a norma. Ser doula, ser consultor de babywearing, cantar como contratenor (com voz “feminina”, em falsete), tudo isso fez acender luzes de alarme dentro de mim e implicou um processo longo de auto-aceitação. Actualmente talvez sejam estas as coisas mais visíveis mas, para lá disso, cá dentro, a desconstrução continua. Não é um processo que esteja concluído.
Às vezes penso se passarei aqui a ideia de que isto foi e é um processo fácil. Não é. Saí de casa e olhei para as unhas pintadas e pensei mais uma vez (como senti várias vezes em criança e na adolescência por não me encaixar completamente no ideal de masculinidade) se era seguro para mim sair assim, ou se poderia ser agredido na rua. Passava por alguns homens na rua de tricot na mão e pensei, por momentos, se alguém me poderia ofender.
Enfim. Não é um lamento, é só uma constatação, para reforçar esta ideia: não é só por simples desconhecimento ou preguiça que não há mais homens a desafiar os padrões e arriscar pisar fora do risco da suposta “masculinidade”. Não é, mesmo. Claro que algumas (muitas) pessoas podem não estar de facto despertas para isto. Mas, muitas outras não desafiam os padrões porque sabem e porque sentem que isso é perigoso e que é socialmente mais seguro seguir a norma.
Sejamos então gentis com quem dá pequenos passos. Mesmo que nos pareçam insignificantes e insuficientes, são de se celebrar porque provavelmente terão por trás o início de um processo gigante de desconstrução 🙌
Mário Santos
Foto: Raquel Cajão