Junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+, e talvez por isso mesmo seja também o mês em que mais importa dizê-lo com todas as letras: não há nada de errado connosco. Somos feitos de amor, desejo, afetos, medos, história e futuro. Somos dignos de existir — e de amar — com plenitude e liberdade. Mas este caminho, sabemos bem, nem sempre é fácil. A liberdade não vem só com direitos jurídicos: ela exige também que nos libertemos por dentro.
Como psicólogo clínico que trabalha com pessoas LGBTQIA+, conheço bem os efeitos insidiosos do estigma. Não apenas aquele que vem de fora — nas escolas, nas famílias, nos sistemas de saúde — mas o que se instala dentro de nós: a vergonha internalizada, a dúvida constante, a crença de que o nosso desejo é sempre “demais” ou “desadequado”. Crescemos muitas vezes sem espelhos afetivos que nos devolvam com orgulho, e por isso o amor, quando aparece, pode tornar-se confuso. Queremos tudo e ao mesmo tempo não sabemos como receber.
Há quem procure amor como um refúgio contra o abandono, há quem use o sexo como defesa contra a intimidade, há quem precise de repetir relações simbióticas para sentir que é visto. E há quem, por todas estas feridas, aprenda a viver relações que não o fazem crescer — apenas sobreviver. O Orgulho também é sobre isto: reclamar o direito a relações que nos tornem mais inteiros. E isso implica falar sobre amor maduro.
Amor maduro não é ausência de conflito. É presença de cuidado mesmo quando há falhas. É poder ser quem somos sem medo de sermos abandonados por isso. É aceitar que o outro é diferente e ainda assim escolhermos estar. Para muitas pessoas LGBTQIA+, isto é uma conquista rara — porque o amor foi, tantas vezes, um lugar de dor, rejeição ou segredo.
Na minha clínica, vejo isso todos os dias. Pessoas que aprendem a desejar-se sem culpa, a viver o prazer sem medo, a confiar que podem amar e ser amadas sem ter de esconder quem são. Vejo o orgulho a nascer devagarinho no olhar. Vejo a raiva que se transforma em reivindicação. Vejo a dor a dar lugar à construção de vínculos reais. E vejo, sobretudo, que ninguém está sozinho nesta travessia.
O conhecimento científico é claro: a discriminação tem impacto real na saúde mental das pessoas LGBTQIA+ (Gato, 2023). A psicologia já não pode ser cúmplice do silêncio. É nossa responsabilidade (como psicólogos também) criar espaços onde ser LGBTQIA+ não seja apenas tolerado, mas celebrado! Onde possamos trabalhar com as pessoas o que significa amar de forma ética, consentida, consciente — e não apenas repetir scripts de sobrevivência emocional.
Por isso, neste mês do Orgulho, o meu convite com este texto é claro: orgulha-te de quem és, mas também do amor que escolhes viver. Um amor que não se confunde com dependência. Uma sexualidade que não serve apenas para tapar o medo. Uma identidade que não precisa de aprovação, mas de presença. Um corpo que é lugar de prazer, mas também de história e dignidade.
O Orgulho é político. Mas também é íntimo. Está nos corpos que se encontram e se reconhecem, nos afetos que ousam durar, nos vínculos que se sustentam mesmo quando o mundo nos disse que era impossível. Está nos gestos pequenos: pedir desculpa, cuidar, nomear o desejo com ternura. Está em dizer: eu não tenho de ser perfeito — eu tenho é de ser inteiro.
Se és pessoa LGBTQIA+, este texto é para ti. Que te sirva de espelho. Que te lembre que o teu amor é válido! Que a tua sexualidade é digna! Que a tua identidade não é um erro — é um gesto de resistência e de beleza!
E se trabalhas com pessoas LGBTQIA+, lembra-te: a nossa tarefa não é corrigir ninguém. É escutar, legitimar, e ajudar a transformar sofrimento em potência. Porque todos temos direito a uma vida onde o amor não seja apenas possível — seja, também ele, um motivo de orgulho.
Feliz mês do Orgulho. Que ele dure o ano inteiro, por muitos e muitos anos.
Referências Gato, J. (2023). Manual de intervenção psicológica com pessoas LGBTQIA+. Lisboa: Pactor.
Nuno Tomaz Santos, psicólogo clínico, investigador e escritor. Trabalha na área da saúde mental e da sexualidade com especial enfoque em vivências LGBTQIA+.