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Orlando, de Virginia Woolf – Quebrando o Binário de Género

Orlando Virgínia Woolf livro

"Orlando" de Virginia Woolf foi originalmente publicado em 1928, agora reeditado pelas edições Cavalo de Ferro, com a tradução portuguesa de Miguel Romeira. 

Esta nova tradução propõe-se fiel ao espírito original da obra e, apesar de algumas opções potencialmente questionáveis para os mais puristas, cumpre o propósito de manter a narrativa acessível, satírica e divertidamente leve. 

A obra conta a fantástica história de Orlando, um poeta que vive mais de 300 anos sem envelhecer, conhece diversas figuras históricas da sociedade britânica e acorda um dia num corpo de mulher. O protagonista foi inspirado por Vita Sackville-West, escritora pertencente ao grupo Grupo de Bloomsbury com quem a autora manteve uma relação afectiva e sexual durante vários anos.

Através dos elementos fantásticos da narrativa, são explorados temas como a fluidez de género, relações homoafectivas e a oposição entre o papel biológico e social na determinação da vivência do género. A passagem em que Orlando muda de sexo é particularmente relevante nesta discussão, visto que o protagonista se sente autenticamente si próprio tanto quando habita um corpo masculino como feminino. A mudança de sexo foi encarada com naturalidade e a protagonista apenas compreende que a sua existência enquanto mulher é distinta da experiência masculina quando se vê confrontada com diferenças no seu tratamento pelo mundo exterior. 

Assim sendo, Woolf apresenta a tese de que os papéis de género não são atribuídos pelo sexo biológico, mas sim pelas estruturas sociais em vigor. Por este motivo, a obra tem sido extensamente analisada pela crítica feminista e por estudos transgénero. Orlando é tipicamente aclamada enquanto obra que atingiu a intemporalidade devido à forma como são explorados estes temas. 

Neste ponto, irei discordar. É efectivamente uma obra que explora temas discutidos até hoje e sempre sob a visão progressista de Virginia Woolf. Sem dúvida que desperta discussões necessárias ainda hoje (especialmente hoje). No entanto, os papéis de género atribuídos às personagens, ainda que por vezes de forma implícita, a conformidade com a estratificação social e a confluência entre os povos ciganos e alteridade são alguns dos elementos que datam inequivocamente a narrativa num tempo passado.

E como não haveriam de datar? Todas as obras operam inevitavelmente no contexto histórico e social em que foram escritas e ao procurarmos encaixá-las no presente, estamos a condená-las a um escrutínio injusto e desadequado para o contexto que as motivou inicialmente.

Tal como a restante obra de Virginia Woolf, Orlando abre portas para importantes discussões sobre identidade e fluidez de género, bissexualidade e a experiência feminina através do olhar masculino, pautada por momentos de humor e leveza, tornando a sua narrativa significativamente mais fácil de ler do que Mrs Dalloway ou To the Lighthouse. Em conclusão, uma bela obra a adicionar ao nosso portfolio de leituras LGBT.

 

Cláudia Almeida