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Nem na mata se encontram histórias assim

Os espelhos de António Variações 

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1.

Cada qual, o cantor e o barbeiro vivem diante dos espelhos, mais do que se pensa. Nas duas profissões, as imagens necessitam dos reflexos, musicalizando barba e cortando música. 

 

De barba e de música, decifrava o cantor e o barbeiro António Variações, de Pilar, freguesia de Fiscal, no concelho de Amares. Um dos primeiros expoentes da música consumida pela comunidade gay, antes das divisões identitárias de nossa sigla LGBTQIA+, ele já misturava música portuguesa e new wave (rock, pop e um quê de blues) em um período incomum da história da música – que a Era Disco soltara seus últimos ora seus fatídicos suspiros.

 

2.

Dos espelhos, António Variações encanta olhos e ouvidos por meio, das tesouras da barbearia e dos microfones da música. Foi em vida uma presença da contracultura, vide suas roupas excêntricas que utilizava em suas aparições musicais. Nem social, nem urbano, nem clássico, nem moderninho; i-ni-mi-tá-vel.  

António Variações é um sexy elementar da natureza, em suas emblemáticas e raras apresentações.

Na voz sedutora e reveladora, de alguém crescido pelos horizontes rurais que adaptou a efervescência das luzes da cidade; cantou amores diretos e tesões indiretos.

Pouco limitando, nesses eixos das vivências setentistas e oitentistas do arco-íris. Entendeu como cantor e barbeiro, as delicias e as dores, que pessoas diferentes enfrentam em sociedade. Cometeu deslizes? Se olhando, com as nossas telas de hoje, com certeza e ao mesmo tempo, simboliza coragem.

 

3.

Livros, músicas, pinturas, teatros, filmes, vídeos, derradeiros textos jornalísticos  – ou seja, o cantor do álbum Anjo da Guarda (1983), mitificou-se em espelho, nas admirações das pessoas das artes e das comunicações, de Portugal e do Brasil. 

Frequentes testes dos anos oitenta, envelheceram ruim à década seguinte da venda em massa dos computadores. No entanto, consiste uma joia portuguesa, o segundo/último álbum de 1984, de capa mais excêntrica e que traduz em parte o tablado, que fora a vida de António Variações. Ele diante do espelho é assim: macacão laycra, cabelo tingido, além de afrontosas mãos na cintura. 

Dar e Receber (1984), título dúbio, do álbum com 8 faixas musicais, trouxe a melancolia da descrição, o desbunde exagerado e atrito fescenino em suas letras, que permanecem jovens no imaginário da música. Conquistou atenção António Variações, logo em uma comunidade que descobre novos caminhos, em um mundo cada vez mais frenético e tecnológico. Idem, a capa de seu álbum, onde seu físico perambula entre masculino e feminino, o cantor nascido no ano 1944, discutia os gêneros e as crises do ego do macho. 

 

4.

“ [...] Turvou-se-me o pensamento [...] ”, como reflete António Variações na canção Perdi a memória, do álbum Dar e Receber. Mesmo já aquebrantado em sua curta passagem neste planeta, felizmente aumentou caminhos, diminuiu preconceitos. 

Infinito e combativo, António Variações ressoa dos espelhos, para os olhos presentes. Realizou empenho como artista, de base do cavaquinho e do acordeão, junto dos segredos libertários das abóbodas das igrejas, em meio da natureza elevada do próprio ser – através do corte e da voz. 

 

 

 

Diogo Mendes, no Brasil. 

Diogo Mendes é escritor e jornalista. Colabora para mídia brasileira e portuguesa. Tem lançado o livro de poemas, “emboloração”(2020) pela editora Chiado Books.