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Pedro Azevedo: "Why am I not so gay?"

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Há uns dias dei por mim a ver um tedx – “Why am I so gay” – que, desde já, recomendo – e, mais uma vez, dei conta que de um privilégio que achei sempre ter – embora comece a ter dúvidas disso.

 

Num esforço analéptico não me recordo de algum dia me ter sido dirigida uma pergunta como aquela. Não posso dizer que tenha passado totalmente despercebido, que tenha sido um choque geral quando me assumi como aquilo que era e mais do que isso – como aquilo que gostava de ser – porque felizmente já me encontrava nessa fase. Mas também nunca senti na pele (pelo menos directamente, já veremos que não é bem assim) o preconceito de se ser (e agora com orgulho) gay. Ora este privilégio, porque me recuso a não considerar privilegiado, acaba por nos afastar de uma realidade que existe e que precisa de ser cuidada. O privilégio afasta-nos da empatia, da capacidade e principalmente da vontade de querer saber que existe mundo para além do nosso, que existe bolha para além da que vivemos e de que rebentá-la pode ser tão fácil como ler um texto como este em que a temática é, inerentemente, LGBT. E assim, por muitos anos, pensei ter passado incólume, ou quase ileso, da discriminação, do ódio e do preconceito.

O privilégio afasta-nos da empatia, da capacidade e principalmente da vontade de querer saber que existe mundo para além do nosso, que existe bolha para além da que vivemos.

Hoje, depois de uns maravilhosos anos de universitário começo a perceber que assim não é. Ainda que na altura não soubesse, os meus três anos de ensino secundário foram tenebrosos. Todos os gestos, comportamentos e conversas foram sempre altamente robotizadas. A possibilidade de que descobrissem aquela que era a minha verdade mais profunda obrigava-me ao dobro do engenho de um adolescente que se queira integrar. Tive de aprender a direccionar conversas, não tocar em determinados tópicos que poderiam ser gatilho para outros temas, como “raparigas”, ou “futebol” ou outra qualquer coisa que se supõe (ou se impõe) que um adolescente, rapaz, goste. Porque tais perguntas levariam, necessária e consequentemente a respostas ou sorrisos embaraçosos.

Os meus três anos de ensino secundário foram tenebrosos. Todos os gestos, comportamentos e conversas foram sempre altamente robotizadas. A possibilidade de que descobrissem aquela que era a minha verdade mais profunda obrigava-me ao dobro do engenho de um adolescente que se queira integrar.

Aos 18 anos fui diagnosticado com ansiedade. Estava ali muito próximo dos exames finais do 12.º ano e todos, inclusive eu, acreditamos que esse tinha sido o grande motivo que despoletara essa minha condição. Hoje tenho sérias dúvidas disso. Passei três anos a obrigar-me a prever o resultado de cada frase, gesto movimento, escolha, tudo, tudo era pensado pormenorizadamente. Era excelente aluno e essa é a única coisa que retiro daqueles tempos. Esqueci conversas, momentos, cortei relações com praticamente todos aqueles que se cruzaram comigo, embora ache que não tenha sido intencional. Isto tudo para dizer que embora não sendo daqueles a quem se lhes pergunta: porque é que és tão gay, nem por isso a angústia não esteve presente. Centenas e centenas de miúdos, adolescentes vivem a agonia que eu vivi e ninguém, mas ninguém os entende.

Esta é, nós somos, uma minoria especialmente fragilizada num ponto. Senão vejamos uma análise que, não sendo minha, fui retirando dos inúmeros livros e outros conteúdos que vim lendo sobre o assunto: alguém que sofre por ser negro, por ter uma religião que não a católica (predominante em Portugal), sofre, sem dúvida, por não entrar nos standards do que é o “normal”. Mas pensemos, todas essas minorias encontram, pelo menos em sua casa alguém em quem se possam rever. Como devem imaginar, uma pessoa LGBT dificilmente nasce numa família também ela LGBT, e está ali, solta no mundo, sozinha, muitas vezes sem encontrar alguém que partilhe com ela os mesmos sentimentos e medos. Apesar de tudo, e como disse, considero-me um sortudo. A maior parte das histórias que conhecemos retratam realidades diferentes da que foi a minha. Há, no entanto, e como disse, coisas que ficam, mágoas com as quais só mais tarde temos de lidar. Há uma memória, das mais antigas que tenho, que guardo comigo, desde sempre: uma contínua da escola primária em que andei, um dia dirigiu-se a mim, quando frequentava, no máximo, o 3.º ano e disse-me: “larga as meninas, vai brincar à bola com os meninos”. E essa frase jamais esqueci. E não esquecerei porque nesse momento me senti, talvez pela primeira vez, como diferente, senti que me impunham que fosse e agisse não como queria, mas como os outros achavam que assim deveria ser. Mas mais do que isso, não esquecerei, nem quero esquecer, porque isso permite-me que hoje consiga perceber o quão importante é preciso educar os que nos educam e todos os outros. Hoje, mais do que nunca, quero dar visibilidade a uma realidade que foi e será sempre a minha, na esperança de que alguém sinta, pela primeira vez, que não está sozinho.

 

Pedro Azevedo

 

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