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Pele de Homem de Hubert e Zanzim

pele de homem livro

Pele de Homem, uma graphic novel de Zanzim, com argumento de Hubert e prefácio de Ana Cristina Santos, chega finalmente a Portugal. Após dois anos da publicação francófona (2020), contando com diferentes prémios literários, este livro é marcado quer pelo sucesso de uma fábula que nos traz temas intemporais como a sexualidade, identidade e (des)igualdade de género como pelo trágico destino do autor, Hubert, que se suicidara pouco tempo antes da publicação da obra que mais popularidade lhe mostrou trazer.  

Pele de Homem é narrada numa Itália renascentista que nos faz lembrar o séc. XXI. Acompanhando as peripécias de Bianca, uma jovem burguesa que se defronta com o casamento arranjado pelos seus pais com, Giovanni, um jovem mercador abastado, percebemos a crítica aos papeis essencialistas de género e dos lugares que tomam as masculinidades e feminilidades hegemónicas. 

Logo no início da fábula deparamo-nos com a angústia de Bianca que, para satisfazer os interesses da sua família cumpre o seu papel social enquanto mulher da época, ser “transaccionada” para um homem de famílias endinheiradas garantindo através do seu papel reprodutivo a longevidade e riqueza de ambas as famílias. Para quem aprecia história, Bianca recorda-nos um tempo onde o matrimónio era concebido como um mero contrato entre as partes, garantia de sobrevivência de muitos, ferramenta de regulação de comportamentos e costumes pelas ideologias dominantes da maioria, no qual o romance, o amor romântico, seria mero acessório a brindar os casais mais afortunados. 

Fruto da ansiedade de Bianca por esposar um homem desconhecido, a sua madrinha mostra-lhe o maior segredo das mulheres daquela família: “Nós, as mulheres da nossa família, temos um grande segredo. Possuímos uma pele de homem. Chamamos-lhe Lorenzo. Uma vez vestida, ninguém duvidará de que és um rapaz.” 

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Uma “pele de homem” que permitia às diferentes gerações de mulheres daquela família transgredir o seu destino biológico e aceder aos privilégios do mundo masculino, podendo Bianca encontrar-se com Giovanni sem que este a reconhecesse e, desta forma, penetrar no mundo do seu futuro marido.  

Ao vestir aquela pele, Bianca torna-se num rapaz de beleza estonteante. Aprendendo a performatizar o género masculino, como falar, como andar, como aparecer em público sem que ninguém estranhasse a sua masculinidade recém-criada, a personagem mostra-nos a construção social do género. Bem-sucedida nesta tarefa, Bianca facilmente atrai a atenção de Giovanni, entrando não só no seu círculo privado de amizades como rapidamente descobre o maior desconsolo do seu casamento, a homossexualidade do marido e atracção sexual e romântica com Lorenzo. 

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É num vaivém de papéis e identidades, alternando entre o feminino e masculino, que Bianca construiria a sua identidade. Não se revendo nas convenções sociais da época, a jovem italiana enfrentaria a hipocrisia daquele casamento arranjado, do adultério recomendado aos homens e crença da assexualidade feminina, como aproveitaria das vantagens que a pele de homem lhe traria para criticar as interdições e limites impostos à mulher e à sua sexualidade. Enfrentando os fanatismos de uma moral religiosa, reivindicando a igualdade das mulheres contra a subalternidade e intolerância masculinista, encontramos na bravura de Bianca o pensamento crítico e luta feminista contemporânea.

Esta é uma obra onde o texto e a imagem se completam, onde a narrativa nos convida a mergulhar no detalhe e rigor de uma arte que nos prende a atenção na sua precisão gráfica como na sua riqueza contextual. Hubert e Zanzim, através da ficção, do romance, do humor, trazem-nos uma mensagem forte sobre desejo e amor, poder e privilégio, sobre o colonialismo e hierarquia de género, sobre o papel das instituições na moldagem de comportamentos compreendidos como “desviantes” ou “socialmente aceites”. Esta é uma obra de seu tempo no qual Hubert nos oferece um pouco de si assim como nela se mostra eternizar.  

 

Editor: A Seita

Ano: 2022

160 páginas, formato 21 x 28 cm, cores, capa dura

ISBN 978-989-53382-9-0

PVP: 28€

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.