opinião

“Quando é dos casamentos homossexuais, não deixo”

É sexta-feira. Não é um dia muito habitual para casamentos, mas por necessidade dos noivos tem que ser, até porque há que aproveitar o fim-de-semana prolongado para fazer uma mini lua-de-mel.

À hora marcada chegam à conservatória os convidados, os noivos e os padrinhos. Sente-se o nervoso habitual numa situação destas e há sempre um convidado que está atrasado e não sabe onde é.
Sabida a sala onde se vai celebrar a cerimónia, descemos as escadas e começamos a instalar-nos na sala. O fotógrafo oferece os seus serviços profissionais os quais são aceites pelo noivo, primeiro com alguma relutância, mas depois rendendo-se à evidência de que uma boa memória tem de ser registada por um bom profissional.
Passados uns minutos, chega o conservador do Registo Civil de Lisboa, Dr. Rogério de Carvalho, já muito bem conhecido pelos noivos, instala-se e dá início à cerimónia. O que se passa de seguida já é do conhecimento de todos, com uma ou outra nuance, que muda consoante o conservador: são apresentados os noivos em voz alta, através dos respectivos nomes, filiação, moradas entre outros dados pessoais e feitas as declarações relacionadas.
O ambiente é sempre descontraído e de algum humor, tanto da parte do conservador como dos noivos e dos convidados. Não havendo impedimentos, celebra-se o casamento. São explicadas aos noivos as condições do contrato que é o casamento e são feitas as recomendações relacionadas.
Já no final da cerimónia, após confirmar que querem efectivamente casar um com o outro, os noivos são declarados unidos pelo casamento e todos os seus dados são novamente confirmados. Termina aqui a parte legal.
Após uma brincadeira do noivo, uma das testemunhas pergunta ao conservador se já não há o beijo à noiva, ao que o conservador responde, em tom de brincadeira, que não é ele que o vai dar, enquanto o noivo beija a noiva. O conservador coloca inclusive a hipótese dos noivos não quererem. O que se passa de seguida é que já seria totalmente dispensável. O conservador profere declarações completamente homofóbicas e xenófobas que chocam e indignam todos os presentes. Cito: “E eu, por exemplo, quando é dos casamentos homossexuais, não deixo”, ao que madrinha contesta “ah, mas (…) não é muito bem, desculpe lá…. E o conservador “Como?” obtendo como resposta da madrinha: “Eu acho que também devia deixar”, mas o conservador inquire: “Por quê?” e sem deixar responder diz, já sério: “Minha Senhora, beijem-se (onde) quiserem! Tenho alguma coisa a ver com isso? E também não lhes dou os parabéns. E não os cumprimento porque tenho nojo das mãos deles.” E continua por aí fora a manifestar as suas dúvidas em relação aos casamentos de pessoas do mesmo sexo. Não satisfeito por demonstrar em serviço a sua inexplicável homofobia, iniciam as declarações xenófobas: “Já casei os brasileiros todos. (…) Porque é que as brasileiras vêm casar com os portugueses?”. Dá os parabéns aos noivos e vai-se embora.
O convidado atrasado acaba de chegar, ainda veio a tempo da celebração!
De referir, por último, que a noiva é brasileira, o noivo português e quem escreveu esta crónica é homossexual e pretende casar-se, mas bem longe do Dr. Rogério de Carvalho.

Evidentemente depois deste episódio foi apresentada queixa formal às entidades competentes.

 

Hugo Melo,  Informático, Mestrando em Informática e Gestão no ISCTE-IUL.

13 Comentários

  • Nuno Fernandes

    O que dá realmente nojo é haver pessoas como esse conservador xenófobo e homofóbico à frente de conservatórias. Faça-se justiça e que seja dispensado das suas funções, não é digno de ser gente.

  • Anónimo

    Espero que da queixa formal resulte o despedimento deste homofóbico. Quem não faz o que lhe compete no emprego tem que ser despedido.

  • vanda

    Muito bem, amei o artigo e dou os parabéns por tudo, pelo que foi dito, pela queixa e pela coragem de a fazer . Em Portugal ainda se fazem poucas queixas, parece que se tem medo. Mas ;a meu ver , é com a atitude de denunciar o que está errado que o país vai para a frente . E felicidades aos noivos, para os que casaram resposta para os que pretendem de casar (Hugo e noivo). O amor é o principal.

  • Marta Elle

    Curioso como os posts sobre os direitos dos gays são sempre selecionados ( Isto não é uma forma de discriminação ? ) Não têm receio de passar por coitadinhos sempre com queixinhas ! ? E já agora, tenho um amigo gay que se farta de queixar da forma como os outros ( gays ) o maltratam. Disso ninguém fala…
    Espero que o Hugo “os” tenha no sítio e não censure o meu comentário, mas se censurar só mostra que afinal é igual ou pior do que a pessoa que tanto criticou.
    Que tristeza haver alguém que não gosta de ver pessoas do mesmo sexo a beijarem-se, tal como também me revolta haver quem abuse sexualmente de animais, mas isso só prova que todos temos um limite, mais nada.
    Para a próxima contratem umas carpideiras porque assim sempre geram mais simpatia para a vossa causa.

  • Anónimo

    Está escrito no final do texto:
    “Evidentemente depois deste episódio foi apresentada queixa formal às entidades competentes.”

  • marrocoseodestino

    Eu tive de ler 2 vezes para ter a certeza que estava a ler bem e ainda assim pergunto “isto aconteceu mesmo?”
    Cada um tem direito a ter a sua opinião, mas há coisa que não se devem dizer.

  • Rosa Fernandes

    Faço das palavras da Vanda, as minhas concordando a 1000% com ela.
    Esse conservador homofóbico, sabe que o casamento entre pessoas, do mesmo sexo em Portugal, está aprovadíssimo! Logo tem que fazer, o dever a que está obrigado sem comentários, ou RETIRE-SE das suas funcões! Há um dito bem antigo que diz: “quem não gosta, não come”! Mas, neste caso, tem que deixar comer, quem gosta!!!
    Rosa fernandes (60anos)

  • Alice Santos

    Nos casamos em 2012, na conservatoria do Seixal e fomos muitos bem casadas com atencao, palavras emocionantes e apoio. So nao havia tapete vermelho no chao rss Alice e Cathy

  • Anónimo

    Ele tem direito a ter opiniões homofóbicas. Agora se essas mesmas opiniões não são incompatíveis com o seu emprego (o que é o caso), ele tem é que ser despedido e procurar outro emprego. De preferência bem longe da comunidade LGBT.