A cada ciclo eleitoral, assola-me uma inquietação persistente: como pode uma pessoa queer votar num partido que nega os seus direitos mais elementares? A pergunta não surge com escárnio, mas com uma preocupação fraterna — um olhar de dentro para dentro.
Não se trata aqui de dividir bons e maus queer — a simplificação binária é, aliás, apanágio do populismo — mas de compreender as fracturas internas de uma comunidade que, na verdade, nunca foi una.
Há quem rejeite rótulos, militâncias e exuberâncias. Quem prefira o conforto da integração à turbulência da resistência. Quem acredite que, sendo discreto, será consequentemente poupado. E talvez seja essa camada — nem assumidamente comunitária, nem inteiramente descolada — que mais me ocupa o pensamento, nesta ocasião.
Quem prefira o conforto da integração à turbulência da resistência. Quem acredite que, sendo discreto, será consequentemente poupado. E talvez seja essa camada que mais me ocupa o pensamento, nesta ocasião.
A dissociação entre identidade individual e pertença colectiva cria a ilusão de que “isso não me afecta”. Mas afecta. Afecta quando a excepção é habilmente aproveitada como troféu por parte do manipulador populista para justificar políticas opressoras. Afecta quando o silêncio é imprudentemente confundido com neutralidade.
O queer assimilado acredita que a sua respeitabilidade o salvará — e essa crença, alimentada por um desejo legítimo de paz, torna-se arma nas mãos do conservadorismo.
Ser queer e votar em partidos conservadores parece-me uma tentativa de desmarcação do estigma associado à militância ruidosa, um acto inconsciente de regresso ao armário — ou de reforço da sua fechadura interior — disfarçado de normalidade.
É fácil ceder ao apelo encantatório da ordem, quando o mundo parece colapsar. A promessa de segurança, aplicada aos mais básicos eixos da sociedade, pode seduzir até quem sempre foi alvo de repressão.
No teatro populista, corpos dissidentes não têm papel principal: são usados como distracções úteis para interesses de outra ordem. A história recente e os cenários internacionais demonstram que, quando a autoridade se veste de moral e nostalgia, os nossos corpos são os primeiros a ser varridos do palco.
A segurança comprada com a liberdade é sempre uma factura demasiado cara. E, quando o sistema se fecha, já não distingue entre os “bons” e os “maus” queer — todos acabamos engolidos na mesma voragem. No fundo, uma atitude individualista com consequências colectivas.
Este não é um apelo moralista, mas um convite à responsabilidade partilhada. Não podemos encarar o voto como um mero gesto individual — ele é, acima de tudo, um acto de impacto comunitário.
Porque, no fim, o silêncio não nos salva — apenas antecipa o apagamento.
Bruno Kalil
Um Comentário
Dário Pacheco
👏👏👏 muito bem explicado, Parabéns