E cá estou eu outra vez, estimados leitores. Mais uma reflexão. Vale o que vale, a meu ver vale muito, pois durante anos o meu pensamento era estruturado à imagem daquilo que esperavam de mim. Hoje em dia, quero lá saber… Sempre ouvi a minha avó dizer que quando em velhos, tornávamos a meninos. E por falar desse tópico…
O meu sonho de criança, permitam-me contar-vos, era o seguinte (não podia ser outro, pois este foi desenhado para mim desde que nasci): formar-me – sim, é importante ser doutor – casar e ter um rebanho de filhos… Ora pois, traumatizado que estava em ser filho único. E assim persisti. Mesmo depois de deixar de corresponder às expectativas alheias, isto é, quando me aceitei como paneleiro (desculpem os mais sensíveis).
Cresci numa família na qual nos é incutido o mito de que temos de procriar, dar continuidade ao nome e outras patacoadas que tais.
– Oh, João Pedro, paneleiro sim, mas arranja-me um filho. Quem cuidará de ti na velhice?
Caro leitor, digo-vos por experiência, um filho não é garantia de nada. De nada, mesmo. E atentem que, por não querer um filho biológico (fiquei farto e cheio de me obrigar ao coito normal, com uma mulher), decidi um dia meter os papéis para a adopção e inscrever-me num sem número de cursos, para avaliarem se o dito gay, EU, na época com pouco mais de 30 anos, estaria à altura e qualificado para ser pai. Sabem o que vos digo? Desisti. Tanta burocracia para trazer para casa, e à experiência, uma criança complicada, que se tornaria pior por não viver numa família tradicional (ler com voz de fantasma)…
Pensei na altura e penso muito hoje. Concluí – admire-se – há males que vêm por bem… Ainda bem que nunca tive filhos, nem biológicos, nem adoptados. O meu instinto paternal/maternal é 0 e passei anos neste engano, empurrado pela família, pela sociedade, pelos amigos, por aí fora, que tinha de ser pai só porque sim. Como garantia ou prova de que um filho… Um filho nada.
Não tenho irmãos. E à medida que os anos foram passando, comecei a analisar, não só os meus pais, como casais que encontro e observo e analiso. Arrisco dizer que 9 em 10 dos ditos casais não deveriam ter tido filhos… E porquê? Porque, tal como eu quase o fiz, decidiram ser pais apenas para fazer um visto na lista de coisas que a sociedade nos quer impôr. Tão triste… Quantos homens e mulheres abdicam da sua individualidade para ter uma criança ou, deverei dizer, para satisfazer as imposições sociais?
Quem o faz porque quer, por vocação: este maduro gay tira-vos o chapéu com reverência. Aos que o fazem porque sim, nem tanto. Mas, atenção: faça cada um o que lhe der na gana, desde que não prejudique aqueles que traz ao mundo.
As crianças são o melhor do mundo. Mas, será mesmo assim?
Este homem queer a caminho dos 50 gosta de novelas. Há dias vi uma personagem dizer que achava mau ter filhos, que não tinha a menor vocação e que não gostava de crianças, que apenas as teve, pois o marido assim ditou. Causou indignação? Ora bem… E assim continuará a acontecer, enquanto não colocarmos a mão na consciência ou continuarmos a ter filhos para satisfazer as imposições sociais.
Acho este fenómeno mais incrível entre pessoas gays. Nascemos e desde cedo lutámos para ser aceites num mundo que – e apesar dos pequenos passos para que as coisas melhorem – continua a dar-nos na cara que não somos normais, por diferirmos da norma. Mea culpa, mea culpa, mea tao maxima culpa , mas como continuamos a perpetuar estereótipos heteronormativos???
Liberdade de escolha. É o valor que mais prezo na minha existência não conforme com a norma. Tenham filhos, se querem, se a vossa vocação for essa.
Este gay solteiro a caminho dos 50 observa, tenta ler a sociedade à sua volta. E sim, gosto de crianças, desde que não sejam minhas. Num mundo órfão de amor, com tantas crianças que, por azar ou acaso do destino, sofrem por não ter esse amor tão necessário, continuarei a tentar ser consciente e não fazer escolhas impensadas. Eu poderei estar destinado a sofrer por escolhas menos acertadas, uma criança, filha do meu sangue ou do meu coração nunca passará por tal.
As crianças são, de facto, o melhor do mundo. No entanto, nunca serão as minhas.
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António S.